terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Sailing away from the safe harbor
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Vê lá se és mais preciso
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Juntar letras e pouco mais
sábado, 18 de dezembro de 2010
Doce gestão de conflitos
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
domingo, 12 de dezembro de 2010
Voltei a sentir os dedos dos pés
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Leuchars-Londres: doze horas de observação do mundo escocês
Escolhi subir a rampa e arrastar a minha mala, em vez de agarrar nela e subir as escadas. Tinha apanhado o autocarro com tempo suficiente para que não precisasse de correr para o comboio. De coração ao largo, depois de ter visto ser cancelado o comboio que na quarta-feira me tiraria de St Andrews e me poria em Londres às 7h30m da manhã de ontem, tentei achar que o melhor era não pensar em nada. Pedido o reembolso e comprado novo bilhete, estava agora a caminho do que achava ser uma viagem directa, de cinco horas, para Londres.
Enquanto me aproximava da estação escocesa de Leuchars, apercebia-me lentamente de que não havia ninguém. Junto a um balcão com chocolates para venda, estava o único funcionário da Scotrail (caminhos-de-ferro escoceses). Diga-se que esta é uma pequena estação, perdida no meio de campos de cultivo, totalmente planos e a perder de vista. A estação apenas tem movimento devido aos estudantes de cascos que ali se dirigem por ser a estação de comboios próxima. O solitário funcionário dirigiu-me a palavra no preciso momento em que eu parei as duas rodas da minha mala e levantei a cabeça para um velho e enorme televisor, de ecrã azul e letras amarelas, pendurado no tecto da plataforma. Ainda que muito pouco moderno ou simpático, consegui claramente ler a palavra: ‘cancelled’. Suspirei e ouvi-o dizer: ‘o próximo para Edimburgo sai às 12h30m’. Preferi não ver que horas ainda eram. E como nunca antes, aceitei ali o meu destino: esperar. Não era algo totalmente surpreendente.
Dois meses e meio na Escócia, duas semanas de neve e temperaturas dez graus abaixo de zero já me tinham feito perceber quão difícil é movimentarmo-nos neste país durante um rigoroso, e inesperadamente precoce, Inverno. Não pus a hipótese de voltar a casa. Agradeci e dirigi-me à máquina dos bilhetes, onde teria de os imprimir. Perante a inexistência de imagem no ecrã, foi fácil perceber que não funcionava e, sem pensar, saiu-me um ‘aqui nada funciona’. Por sinal, o rapaz sorriu e disse que me imprimia os bilhetes. Não havia mais ninguém na estação para além dele, no seu guichet. Ouvia-se apenas o motor de uma máquina de venda de batatas fritas e bebidas frias, o que é muito conveniente quando se está numa estação perdida, rodeada de neve e onde aquilo de que mais distância se quer é o frio. O silêncio, pouco característico de uma estação de comboios, era apenas quebrado lá fora pela música que saía do balcão de chocolates que, viria a descobrir, ser mais do que apenas um balcão de chocolates. Recebi os bilhetes e decidi que a minha espera seria feita num dos dois bancos de madeira na plataforma número um, virados para uma das duas únicas linhas da estação.
Da waiting room – uma sala fechada, quase tão fria como a rua, com duas filas de cadeiras de metal encostadas à parede e duas casas-de-banho – saía um tremendo cheiro a detergente do chão ainda, e eternamente, molhado. A paisagem à volta da estação, o silêncio pouco comum e os bandos de pássaros que se passeavam por ali passaram a ser razão suficiente para que escolhesse ficar na rua. Sentei-me no banco de madeira, aconchegando as minhas luvas, as minhas meias e botas polares. De tão planos que os campos eram, dava para ver lá ao fundo umas montanhas cobertas de neve. Em vários pontos havia um ajuntamento de árvores, que perderam as folhas há já algum tempo. O sol, muito leve, quebrava por vezes um típico céu de neve. Aprendi a identificar ‘um céu de neve’ na Bélgica, no dia 25 de Janeiro de há quatro anos, véspera do primeiro dia de neve desse ano. Fui visitar a cidade de Gand com um colega e ele disse-me: ‘Vai nevar em breve. Hoje está um céu de neve’. A meu pedido explicou-me: ‘o meu avô ensinou-me que antes de começar a nevar, o céu fica com uma capa branca, como se estivesse mais próximo das nossas cabeças’. Não tinha voltado a ver um céu de neve até vir para a Escócia. Portanto, em alguns sítios, o sol cortava o céu e dava luz aos contornos das árvores. Para além do branco da neve que cobria quase tudo, viam-se algumas casas e, de vez em quando, aparecia um ou outro autocarro, o mesmo que me trouxe à estação.
Entretanto já sabia que eram 11h da manhã (uma senhora com um gorro mal escolhido fez questão de me dizer as horas antes de ter ido fazer tempo para casa). Portanto, decidi deixar as minhas coisas no banco e dirigi-me ao balcão dos chocolates. Apareceu um senhor a esfregar as mãos, vestido de preto com um gorro na cabeça. Pedi-lhe um café expresso, mas acabei por aceitar o que ele tinha: filter coffee. Para além da janela onde estavam expostos chocolates, rebuçados e um ou outro bolo, havia uma porta aberta, que deixava ver uma enorme máquina de café avariada. E numa das paredes havia uma única prateleira de madeira com livros, mal arrumados, aparentemente à disposição de quem precisa de esperar. O senhor entrou para uma outra sala, separada por uma parede, de onde me viria a trazer o meu café. Percebi que a única forma de ele saber se tinha algum cliente ao balcão, enquanto estava lá dentro sentado, era através do reflexo num espelho estrategicamente colocado para esse efeito. Pedi-lhe se poderia tirar um livro. Trouxe um, The Edge, e voltei ao meu banco, onde viria a encontrar um escocês agasalhado a um ponto máximo, enquanto arranjava a máquina de venda de bilhetes.
Já sentada, consegui perceber detalhadamente de que direcção vinha o vento e ainda tentei utilizar, em vão, a minha mala como corta-vento. Lentamente as minhas soluções revelaram-se inúteis e tive de reconhecer a inevitabilidade de recolher à waiting room. Na sala, um outro ecrã pendurado num canto piorava ainda mais o ambiente. A imagem, que saía persistentemente pelo fundo do ecrã como se alguém se entretivesse a rodar uma manivela, deu-me a conhecer que o comboio estava ainda mais atrasado. Esse ecrã era o único ponto de movimento até chegar a pequena Poppy – ou outro nome semelhante. Uma minúscula escocesa e a sua mãe que, como eu, esperavam o único comboio a chegar e a partir daquela estação numa manhã inteira. A pequena passou o tempo a subir e descer das cadeiras, a dizer-me adeus de vez em quando e a comer uma espécie de sementes que a mãe lhe dava de um pacotinho de plástico.
Li o primeiro capítulo do livro e decidi devolvê-lo. A descrição da tentativa clandestina de fuga de um pequeno rapazinho e da sua mãe ocupou-me algum tempo. Fugiam do padrasto do miúdo, para o que o rapaz designava como‘the promised land’, uma vida sem nunca mais ter de recear ninguém, segundo a mãe lhe prometera. Entre as páginas desse livro estava a Mulan, da Disney, recortada de uma revista. Devolvi-o e voltei ao banco de madeira. Desta vez, anunciava-se uma quebra do silêncio. O ensurdecedor ruído de aviões militares, que em St Andrews me levam sempre a levantar a cabeça, revelou-se ser persistente. Em três minutos, três aviões levantaram um supersónico voo, rasgando incrivelmente o céu. Via-os a levantar voo mesmo ali ao lado e a passar por cima da estação ao ponto de fazer tremer o café que já tinha dentro do meu estômago. Dirigi-me ao senhor dos chocolates com a dúvida óbvia do que é que estava a acontecer, e fiquei a saber que por trás do único amontoado de casas à vista existe a base da Royal Air Force Leuchars. Segundo vim a descobrir, "the Station is primarily responsible for maintaining Quick Reaction Alert (North), providing crews and aircraft at high states of readiness 24 hours a day, 365 days a year, to police UK airspace and to intercept unidentifed aircraft". As horas seguintes revelar-se-iam um espectáculo de acrobacias no céu, com uns aviões a levantar e outros a pousar. Cada voo daqueles deve ser uma fortuna, pensava eu.
A estação foi-se enchendo e, para além da Poppy e da mãe, voltou a senhora do gorro. Senhora de gatos, imaginei eu, tanto criticava a inexistência de informação no site da Scotrail, como expressava uma certa alegria por tamanha alteração na sua rotina. Passou o tempo a deslocar-se entre o guichet da estação e a sala de espera, assumindo um papel de mensageira dos minutos de atraso do único comboio para Edimburgo. Na plataforma da linha um, entre outros estudantes, havia um rapaz que chegou com uma bicicleta montada e que a desmontou cuidadosamente antes de se sentar no segundo banco de madeira. Duas rodas para um lado e o corpo da bicicleta para outro. A cirandar no pouco espaço existente havia um homem com ar de investigador, daqueles mais dedicados e reservados. Baixo, sem ser gordo, vestido de preto, com barba e pêra loura e um cabelo ralo preso num frágil rabo-de-cavalo. Imaginei-o envolvido nas suas teorias rocambolescas, emaranhado em números e algoritmos, enquanto amaldiçoava o barulho ensurdecedor dos aviões. Numa das vezes em que lhe prestei mais atenção, ele vinha do senhor dos chocolates com o que me pareceu ser uma bifana no pão, embrulhada num guardanapo. E comia-a exactamente como eu imaginei. Esganava a bifana entre o pão, muito apertadinho, segurando-o com um guardanapo no fundo. As dentadas que davam tinham medidas certas e nunca dava uma dentada no lado esquerdo sem que desse logo no lado direito do seu pãozinho.
O tempo passou, as minhas mãos acusaram o frio, assim como os meus pés e tive de recolher à sala com o chão ainda molhado. Tive de respirar fundo enquanto dava por mim a pensar em fontes de calor como o ar que saía do motor da máquina de venda de batatas fritas. Finalmente, às 13h, apareceu lentamente na linha um o que me pareceu ser um comboio. Ironicamente, vinha mesmo devagar como se viesse a limpar a neve no caminho. E os meus olhos, que esperavam ver um comboio a sério, espantaram-se quando se depararam com duas minúsculas carruagens, como se o único comboio do dia fosse afinal um brinquedo. Éramos pelo menos trinta pessoas na estação, à espera para nos enfiarmos dentro de um comboio de brincar.
Foram precisos vinte minutos para que nos esganássemos todos lá dentro. E depois de ter percebido que iria em pé até Edimburgo, antes de o brinquedo emitir uma buzina, olhei pela janela e vi o rapaz da bicicleta a amaldiçoar o mundo por não ter conseguido entrar com a traquitana toda tão bem desmontada. A partir dali, seriam duas horas e meia em pé, com um comboio a desbravar terreno, gerando em mim a sensação de que não chegaria inteira. Ao meu lado a Poppy desesperou-se com tanta chatice, e desesperou-me a mim também. Quando finalmente cheguei a Edimburgo, ainda a cinco horas de distância de Londres, encontrei a senhora do gorro. Percebi que a saga ainda não tinha acabado.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Ainda hoje tinha olhado para a caixa, já sem água, quando saí de manhã para o jardim, cumprindo a promessa que fiz de alimentar os pássaros. Com os meus chinelos, cometi o erro de enfrentar o tapete de neve e afundá-los nos vinte passos que dei, ida e volta, até ao ramo onde está pendurado o objecto preferido dos pássaros. Um bonito tubo de vidro, com duas saídas em baixo, e com dois pequenos espaços onde eles podem pousar, enquanto se deliciam. Apercebi-me de que as pontas dos meus dedos gelaram, num curto intervalo de tempo, deixando de os sentir. Abandonei o jardim e só depois me apercebi que estão -3C em St Andrews (e -10C em Edimburgo) e que o frio desta noite tornou o azeite que tinha numa garrafa, dentro do armário da cozinha, numa espécie de geleia.
domingo, 5 de dezembro de 2010
sábado, 4 de dezembro de 2010
Mundo taxista
Combinámos às duas da manhã junto à fonte e assim caminhei eu para lá, alguns minutos antes. Duas da manhã é uma hora em que a cidade está absolutamente morta, as ruas abandonadas, como se sem sabermos tudo tivesse fugido. Arrastei a minha pequena mala pelas pedras, evitando acordar os dois lados da rua. Enquanto me aproximava do local combinado, vejo um táxi a acender as luzes e iniciar lentamente uma volta silenciosa à fonte. Fui-me aproximando, quebrando o silêncio com as rodas da mala, mas quanto mais me chegava perto do táxi, mais entrava na ausência de vista do seu condutor, que continuava a volta silenciosa à fonte. Dei por mim a rir, sozinha, dado o ridículo de continuar a arrastar a minha mala lentamente atrás de um táxi que insistia em não parar. Assim que finalmente me viu, iniciou-se a saga até ao aeroporto.
Pedi ainda o favor de passar à porta da biblioteca, para que pudesse deixar dois livros na caixa do correio - caso contrário, pagaria a multa da minha vida se não os devolvesse durante a semana em que viria a estar no Luxemburgo. Dali seguimos para o aeroporto de Edimburgo, numa viagem surreal até à auto-estrada. Estradas sem um único ponto de luz, com excepção dos olhos iluminados dos coelhos, esquilos e, poderia jurar, até um mega-ouriço que, encantados e desnorteados por tamanha mudança de luz na sua vida, decidiram cruzar as estradas. De resto, nada mais. As estradas têm dois sentidos, trocados para a perspectiva de alguns condutores europeus, e no total terão a largura necessária para caberem dois carros dos mais estreitos. Portanto, a maior parte da viagem é feita no meio das duas faixas, por entre curvas cuja direcção é invisível até ao momento em que já acabaram. De onde em onde, placas que se iluminam com a luz dos faróis anunciam 'lomba sem visibilidade'. Isso significa descer a um nível consideravelmente inferior, observando lá de baixo o carro que vem, lá em cima, em sentido contrário. Sem que tivesse nenhuma ideia se estaria a caminho do aeroporto ou não, tentei apreciar a viagem.
Soube que o senhor, tipicamente escocês, de barriga bem mais visível que as curvas da estrada, é adepto do Manchester United. Dei conta da minha ignorância, perguntando se 'nessas equipas' não existem jogadores portugueses. Também me falou de Fátima, quando a conversa se estendeu a Portugal. A simpatia fez com que falássemos sobre o seu percurso como taxista. Percebendo por vezes só algumas das palavras que compunham as suas frases - repito, ele era escocês - percebi que tinha sido pescador durante muito tempo. É claro que estas conversas ficam sempre ao gosto de cada um... Falámos sobre as estradas também, ele explicou-me que estava a seguir um atalho para o aeroporto. Depois de os olhos se habituarem à escuridão, encostada ao vidro do lado esquerdo, consegui lá bem longe ver algumas estrelas, que pela primeira vez me deram conforto. Percebi, depois de ele me ter explicado, que a faixa ao longe onde não se via luminosidade nenhuma era mar. Estávamos a fazer o percurso junto à costa. Abordámos mais tarde o tema 'taxista'. Expliquei que em Portugal era uma profissão interessante, que se aprendia muito com taxistas e que às vezes havia alguns conflitos entre eles. Lançou a gargalhada do dia e garantiu-me que isso não acontecia aqui. Ao fim de uma hora e meia, deixou-me no aeroporto. Dei-lhe o dinheiro para a mão e perguntou-me: "quer o troco?". Tive de dizer que sim, eram cinco libras. Aí concluí que os taxistas portugueses e escoceses não só entender-se-iam muito bem, como também, afinal, teriam muito para ensinar uns aos outros.
"Garanto-lhe que seria Portugal"
Entende-se melhor o sotaque escocês, estão entranhados os estranhos horários, abandonei os lanches e só almoço e janto (e ceio, lamento). Já sei que "sair à noite" significa encontrarmo-nos às 20h30 e sair de uma discoteca às 2h. Já não faço os maiores caminhos e conheço os atalhos, diminuo o tempo de chegada às aulas. Reconheço as garrafas de leite e a inexistência de pacotes, aceito o facto de os multibancos terem no máximo três opções diferentes de operações (somos mesmo evoluídos, nós portugueses), já sei que se estende a mão a quem não se conhece e se dá um abraço estranho a quem já se conhece, habituei-me a pagar 1.25£ por um café expresso que me vou arrepender de ter bebido, aceito o facto de ter de subsitituir o hábito do café pelo hábito do chá. Assim como, depois de mais de uma semana de caos, a neve e tornou uma companhia (nem sempre boa), ou como as pedras onde o carteiro entala o carrinho se transformaram numa inteira pista de gelo, gerando ameaças de quedas aparatosas. Já sei que os autocarros podem chegar atrasados e que as estradas deste país são péssimas (alguém que diga mal das portuguesas venha para cá viver). E também cá, numa mesma chamada telefónica para um qualquer serviço público, conseguimos falar com três departamentos diferentes, deixar o nosso número de telefone e soletrar repetidamente o nosso nome, para que no fim ninguém saiba dar uma resposta.
É no entanto um país lindíssimo.
Se sair de Portugal e viver outros mundos pode ser sinónimo de um reconhecimento em como nos falta valorização, oportunidades, recompensa ou trabalho, também pode ser um reconhecimento de que temos uma maneira de viver muito especial e, sem que nos apercebamos, com uma tremenda personalidade. Em conversa com um dos casais mais simpáticos a viver há muitos anos em St Andrews, falámos sobre cidades portuguesas que eles já tinham visitado. A comida, o vinho, a serra, o mar, a História. No meio da conversa, confessou-me algo que me fez pensar. "Já visitei muitos países, mas se pudesse escolher um país para passar o fim da minha vida, garanto-lhe que seria Portugal". Para onde é que se vai se, em princípio, não se estiver no fim da vida?
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Momentos que acenam
A semana que passei no Luxemburgo foi uma ajuda para recuperar a sanidade. Senti-me em Portugal. Em qualquer esquina, encontra-se alguém que fale português e, como bom compatriota, essa ligação é sinónimo de ajuda. Seja para conseguir alguma coisa mais depressa, mais barata, com melhor qualidade,seja para partilhar alguns minutos de conversa sobre como era e como é a vida 'lá em baixo' e 'cá em cima'. Fala-se sobre os 1600 euros de salário mínimo para pessoas 'com curso', e dos 1300 euros para pessoas 'sem curso'. Fala-se sobre como 'ao fim do mês ainda dá para ir passear, coisa que lá em baixo é impossível porque o dinheiro nem ao fim do mês chega'. Sugerem-se soluções: '0 governo deveria preocupar-se mais com as pessoas'. E até surgem sugestões das raparigas portuguesas no Luxemburgo, perante qualquer lamentação: 'olha, tenho amigas portuguesas que vieram para o Luxemburgo só para ter dois ou três filhos, sem terem de trabalhar'.
Num dos dias dessa semana, no hotel onde fiquei, cruzei-me no corredor com uma senhora portuguesa responsável pela limpeza dos quartos, uma de muitas tarefas. Junto de um armário, encostado a uma parede, ela tirava e arrumava toalhas. Perguntei-lhe há quanto tempo estava no Luxemburgo, há quanto tempo trabalhava ali, como tinha vindo. Explicou-me parte da vida dela, descreveu-me como ali é possível 'dar aos miúdos tudo: playstations, telemóveis, televisões'. Isso dito sem qualquer pretensão, apenas como reflexo da liberdade que um salário maior ao fim do mês pode dar. 'Cada vez que vou lá a baixo vejo raparigas de 25 ou 30 anos que parecem velhas. Andam tristes e não se arranjam. Mas percebi não se arranjam porque não têm dinheiro. É triste'. Falava com uma certa angústia - ou, tão melhor conceito, saudade - em relação ao que fica em Portugal. Não era orgulho ou vaidade. Viver no Luxemburgo resulta apenas de uma razão: procura de uma vida melhor que ali conseguiu encontrar. E voltar para Portugal passa a ser uma meta muito distante. Acabámos por conversar muitas outras vezes durante a semana. Conheci a filha dela que, com nove anos, fala cinco línguas. Entre o muito trabalho dos meus dias, tive-a ao meu lado, sentada a falar um português perfeito, a ensinar-mee palavras em luxemburguês (só me lembro de kanichen, coelho), enquanto pintávamos. Sim, porque para além da escrita do meu ensaio sobre 'conflict management' e da cobertura da competição de culinária, ia pintando as jardineiras de um pescador ou o corpo de uma foca. Deu-me dezenas de rebuçados, que desembrulhava e me obrigava a comer sem parar, e até me prometeu que faltaria às aulas nessa semana, dando a desculpa de que estava com tosse. Por erro da minha parte - ou por incapacidade para corresponder a tanto - acabei por não me despedir dela. Quando me voltei a cruzar com a mãe , percebi que tinha provocado aquilo pelo qual tantas vezes, mais nova, passei. As primeiras grandes desilusões, trazidas pela sensação de que um dia temos alguém que nos dá uma atenção especial e que, sem percebermos, no outro dia desaparece. Talvez por isso, escrevi-lhe um pequeno papel. E no último dia antes de deixar o Luxemburgo, cruzei-me novamente com a mãe no corredor. Quis despedir-me e ela chorou. 'Não gosto de despedidas', disse-me, junto ao mesmo armário das toalhas, fazendo-me pensar em como se vivem as despedidas de forma tão diferente quando se está longe. Fui caminhando pelo corredor, sem sequer pensar, só para evitar vê-la chorar, enquanto agradecia e dizia que por certo não seria uma despedida. 'Voltaremos a ver-nos', lembro-me de dizer. E ainda a ouvi acrescentar baixinho: 'ainda para mais anda sozinha por esses países'.
E ainda antes de regressar à Escócia, em conversa com um chef americano - depois de o ver trabalhar com os chefs portugueses durante cerca de 18 horas por dia durante uma semana - comentei: 'é preciso gostar incrivelmente disto para passar a vida numa cozinha'. Acenou que sim, sem parar o que estava a fazer. E disse-me: 'You lose many people in your life when you choose this'. Incrivelmente também, percebi que aquela resposta tinha muito sentido. 'If you love this and you take this decision, you will have one moment in your life when you stop and you regret all the people you have lost. But, if you love this and you do not take this decision, you will spend your entire life regretting what you have lost and what you are still losing'.
Frustrante inexistência de soluções
St Andrews-Lisboa: quatro dias
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Cascos isolados
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
A primeira neve...
sábado, 20 de novembro de 2010
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Tudo se mantém
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
sábado, 6 de novembro de 2010
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
We'll see
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Alice Dancing Under The Gallows
Alice Herz-Sommer is 106 years old and she is the world’s oldest Holocaust survivor. A concert pianist and lifelong musician, she lives everyday to the fullest, imparting her optimism and wisdom on all those around her. "Alice Dancing Under The Gallows" is a new documentary.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Melhores histórias nos piores hotéis
Será outra
domingo, 31 de outubro de 2010
pela Escócia
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Já estás a tentar
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Les Moments Sacrés
Horas mais tarde, viria a conhecer Jean-Marie Téno, realizador de vários documentários sobre a história colonial e pós-colonial de alguns países africanos. Nasceu nos Camarões e vive no sul de França. Inserido no Festival do Cinema Africano, assisti a um dos seus mais recentes documentários: Les Lieux Sacrés. O próprio cinema africano dentro de um filme africano: como um homem numa pequena cidade do Burkina Faso criou um cinema local, num espaço que aluga por mês, tentando que o valor cobrado por cada entrada pague o aluguer desse mesmo espaço no fim do mês. História essa cruzada com um outro homem, que se intitula como 'Écrivain public', pressionado durante anos pela responsabilidade de assumir uma profissão que sustentasse a família, uma profissão "técnica", longe da escrita. Até que um dia desistiu de tudo. E passa hoje os dias a escrever num portão de ferro verde, frases que poucos percebem. Uma terceira história completa o documentário: um artesão, dedicado ao djembé, que assume o papel de ligar a música ao cinema, percorrendo a cidade com o seu djembe a anunciar os filmes desse dia. Lugares sagrados, explicou o realizador, "porque não só o cinema local é visto por muitos como um lugar sagrado, mas também porque nas horas livres entre a projecção dos filmes, esse mesmo espaço é utilizado para oração dos muçulmanos que vivem na cidade". Em conversa depois do filme, Jean-Marie Téno confessou-me conhecer bem Lisboa e gostar especialmente de Fernando Pessoa. Perguntei-lhe se desde o início teve noção de como as pequenas histórias que contava resumiam de forma tão concreta o nosso mundo de hoje. "Confesso que quando os conheci,percebi que havia ali alguma coisa de especial. Só não sabia bem o que era. Vim a descobrir e a concluir isso mesmo: como três pessoas numa cidade que ainda conserva o mais tradicional do país conseguiam resumir tantas histórias". Partilhámos o gosto pelas pequenas histórias e ficou prometida uma passagem por Portugal em breve.
Guardo ainda, da noite de dia 23, o regresso ao hostel onde viria a dormir muito pouco. Muita gente nas ruas à noite e uma lua maior do que alguma vez a vi. Percebi que cada um dos bancos de madeira tem uma chapa de metal com uma dedicatória a alguém. Como se cada um dos bancos representasse uma pessoa, recordando a sua vida, obra, carácter, acto heróico ou, simplesmente, a sua existência.
De domingo ficam as pontas dos dedos inchadas dos 0ºC da manhã e os esquilos ainda a usufruir da liberdade que tiveram durante a noite enquanto ninguém lhes ocupou os relvados. Inevitavemente fica a sensação de um segundo aniversário passado longe de casa, valorizando a liberdade, mas questionando se todas estas sensações - nem sempre boas - fazem parte da própria liberdade. Ou escolhes conforto ou escolhes subir o Evereste, concluí. As duas nunca poderás ter, até porque cada uma delas pertence a mundos diferentes.
Ovelhas pequenas
domingo, 24 de outubro de 2010
sábado, 23 de outubro de 2010
Auê
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
18h30
Lá estavam
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Defeitos
Acontece que hoje houve uma conferência sobre se a violência contra injustiças pode ser justificada. Na cadeira à minha frente desenrolou-se uma luta contra a tosse, uma luta que eu acompanhei de mais perto do que a própria conferência, infelizmente. Analisei cada gesto e movimento da pessoa que mais valia ter ficado em casa, mas que veio à conferência e passou o tempo a lutar para não tossir. Cada vez que a tosse falou mais alto, ela agarrava no casaco castanho, com forro de seda ou a imitar seda, com etiqueta da Marks & Spencer, e tossia para o casaco. Em particular para uma manga, a esquerda. Para além de todo o tipo de actividades menos próprias com o cabelo, que me desconcentraram absolutamente e me obrigaram a tirar a pastilha da boca, de tal forma estava já enjoada. As unhas eram enormes e serviam para tudo, o que me criava arrepios nos braços como nunca antes os tive. Acabei por me encostar na cadeira, tentar ouvir o que se discutia na sala e tirei os óculos para que não visse mais do que queria.
Arranjei um sítio óptimo para os óculos: pendurados por uma haste na mesa recolhível à minha frente. Já tinha descoberto isso antes e achei bem pensado. Passou-me de raspão a ideia de poder esquecer-me deles ali, mas concluí que por me ter pensado nisso, isso já não aconteceria. Finalmente consegui concentrar-me na discussão que decorria na sala e abstrair-me da tosse reprimida.
Infelizmente precisei de quatro horas para perceber que os meus óculos ficaram pendurados por uma haste na mesa. Não me adianta chorar, apenas espero que amanhã ainda lá estejam. E se ainda lá estiverem, garanto que nos próximos tempos andarão sempre arrumados.
Low Mood Study
I am a PhD student in psychology from the University of St Andrews, looking at how mood affects our ability to solve personal problems. I am interested in individuals who are currently experiencing low mood. If you feel you fit this description, I would be particularly interested in hearing from you. This two-part study will take about 2 hours to complete over two 1-hour long sessions. Those taking part in the study will receive £5 per hour for their participation.
Nova profissão
Hoje, faria anos
terça-feira, 19 de outubro de 2010
domingo, 17 de outubro de 2010
pelo tempo, sem tempo
mudei lâmpadas, limpei candeeiros, fui às compras. acordo cedo e começo a trabalhar tarde. acordo cedo e saio de casa tarde. o álbum já não estava no alfarrabista e começo a conhecer de cor os livros expostos na mesa, no meio da estrada, ao sábado de manhã. encontrei café a £1.25, bebi-o sem açucar, pior do que café queimado numa tasca perdida. enquanto o bebia, as asas do saco de plástico que tinha enterradas no braço esquerdo rasgaram-se. apanhei tudo do chão e vim para casa.
não me consegui abstrair da estupidez de uma saída à noite nesta cidade, que me fez lembrar o tempo de erasmus. quatro anos é tempo suficiente para que o mundo seja outro. hoje acordei e trabalhei arduamente. páro agora e pergunto se andarei a controlar e equilibrar bem o meu tempo. a resposta é claro que não.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
A arte dos álbuns
Procura licenciatura? Aqui é gratuita.
Podem conciliar quase todas as áreas de estudo que quiserem, como por exemplo, para alguém indeciso: química e literatura francesa.
Outros amigos da rua
Do yourself a favor
"Once to Delhi", Ashoke replied. "And lately once a year to Jamshedpur". [...]
"Not this world", he said. "England, America".
"My professors mention it from time to time. But I have a family", Ashoke said.
Grosh frowned. "Already married?"
"No, a mother and father and six siblings [...]".
Ghosh shook his head. "You are still young. Free", he said, spreading his hands apart for emphasis. "Do yourself a favor. Before it's too late, without thinking too much about it first, pack a pillow and a blanket and see as much of the world as you can. You will not regret it. One day it will be too late."
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Paella ou tapas
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Amigos da Rua
Cruzo-me ainda com um rapaz que, embora com abrigo, é a única pessoa que por vezes se senta a pedir esmola. Vejo-o no supermercado. Arrasta os pés e tem o cabelo bem rapado, tornando ainda mais visíveis algumas marcas na cara. Não reparei no que comprou, porque me fixei nas últimas palavras quando pagou a conta. "Fique com o troco". Pouco depois, vi-o sentado nuns caixotes, à porta do supermercado, a pedir umas moedas. Talvez por nos cruzarmos tantas vezes, e por eu cometer o erro imperdoável de olhar demasiado para os movimentos das pessoas, acaba por me dizer sempre o que aparenta ser um 'hi' ou 'hey' ou 'hié'. Em resposta, emito um som semelhante.
Outro amigo da rua é o carteiro. Toda a gente se cumprimenta e sorri se os olhares se cruzarem por mais de três segundos (na Bélgica isso nunca me acontecia). Espreito sempre para o carrinho do carteiro - o tal que oiço a encravar-se nas pedras - esperando ver o símbolo dos correios portugueses impressos num caixote. Talvez por isso ele me pergunte se estou à espera de alguma coisa. Sorrio e disse que sim.
Num dos textos sugeridos, a influência dos media internacionais é referida, apontando uma espécie de "obsessão com a hipocrisia". "The charge of hypocrisy resonates powerfully in the modern global media, and those powers which present themselves as idealistic are particularly vulnerable to it. [...] The international media and diplomatic response to the existence of the Guantanamo facility has been thunderous and, at least until lately, continous; Russia's atrocities in Chechnya, in contrast, have received only sporadic attention and occasional, and utterly ineffectual, criticism. The reasons for this are complex, but surely one critical factor is that the United States presents itself as a moral actor, while Russia does not pretend to be anything other than ruthless". Independentemente de ser um exemplo acertado ou um argumento suficiente, o autor acrescenta: "In modern democracies, a blackened reputation and a compelled resignation from public office typically is the worst penalty for failure." (C. Dale Walton, "The Case for Strategic Traditionalism", International Peacekeeping, Nov 2009)
Uma das discussões recentes terminou com a questão se a sociedade - as pessoas, em específico - não poderá ser mais liberal que o próprio governo que, supostamente, a representa. E de outra conferência fica a conclusão: "Liberal peacebuilding is not liberal enough".