sexta-feira, 26 de novembro de 2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Tudo se mantém

Vou continuar a ouvir o carrinho do carteiro entalar-se nas pedras e a buzina do carro do senhor do peixe fresco a passar na rua, às 11h30 das sextas-feiras. Vou continuar a enfiar a torrada numa grade e a esperar que a chaleira chie quando a água está quente. No meio de todo o trabalho acumulado dois últimos (quase) dois meses, recupero lentamente a sanidade mental.
Não teria de fazer parte da experiência, mas fez. Depois dos dias em Portugal, tudo deu uma enorme volta, em apenas um dia. Abalada a vontade de viver iludida, resta esperar até conseguir estar de pé e em condições. É noite cada vez mais cedo, o meu termómetro desce cada vez mais quando olho para ele de manhã. Mas pelo que percebi está mais frio no Luxemburgo. Amanhã deixo Cascos por mais uma semana.

sábado, 6 de novembro de 2010

Fora de Cascos

Vou regressar ao tempo tépido e à luz do dia até mais tarde. Por uma semana.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Controlo em mim a tendência em olhar para tudo o que faço e pensar que é a última vez que nestas exactas condições as faço. A última vez que abro as cortinas de manhã com o cuidado necessário para não deitar a baixo o candeeiro com uma bola de vidro, que era da mãe da dona da casa. A última vez que desço as escadas e faço uma torrada, já não na torradeira, mas entalando o pão numa grelha, metida no Aga. A última vez que aqueço a água numa antiga chaleira e que espero que chie até saber que está a ferver. Assim como é a última vez que passo pelo bouquiniste - hoje a mulher do senhor rosado junto aos olhos estava a aspirar a loja - ou como já não vou ouvir o carrinho do carteiro entalar-se nas pedras. Acabaram-se os serões a meia luz, ao calor do fogão, a jantar tarde e a conversar sobre qualquer coisa. Já não terei o jornal todos os dias e não começarei o dia a debater as notícias com a senhora. Já não receberei um copo de vinho chileno quando chego a casa arrasada ou seis rosas e um postal na minha secretária em frente à janela. Já não vou conseguir acompanhar diariamente, logo pela manhã, o crescimento das flores de Natal plantadas recentemente numa grande taça com terra, colocada no parapeito da enorme janela junto às escadas. Está quase a aparecer a primeira flor. Só me vou mudar para duas ruas abaixo e regressarei cá sempre que puder. Só não volta a ser isto. Um dia a minha mãe disse-me que com o tempo aprendemos a não criar ligações tão intensas com tudo o que nos rodeia e que nos defendemos para não criar vida em tudo aquilo que não a tem. Ainda estou a tentar aprender isso.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

We'll see

Tinha ficado de abrir a porta a um senhor que chegaria dentro de alguns minutos, dizendo que aguardasse um pouco. Lá chegou, expliquei-lhe e sugeri-lhe que entrasse e se sentasse. O pior vem quando ele inicia um rol de perguntas, que só sei que eram perguntas pela entoação com que ele as fazia. O sotaque escocês desgraçou o que poderia ter sido um simpático compasso de espera. Sorridentemente, depois de cada uma das duas primeiras perguntas, pedi que repetisse duas vezes. À terceira, não tendo coragem para pedir que repetisse novamente, decidi começar a lançar respostas. Percebia 'weather', e respondia 'Oh, yes, good weather today'. Percebia 'time-house', e respondia 'No, I'll be leaving soon'. Perante o espanto presente nele de cada vez que eu respondia à própria pergunta que eu me tinha colocado, achei que era melhor mudar de táctica. Antes que ele perguntasse alguma coisa, falava eu. Falei da faculdade, dos professores, de Portugal, do trabalho e ausência dele. E ele comentava: 'job'. 'Oh no, there are no jobs there'. 'School'. 'Sure, good school this one'. Tentei voltar a pedir que repetisse. E se a frase tinha inicialmente seis palavras, quando ele a repetia, já chateado, reduzia-a a uma. Que eu mesmo assim não percebia. Optei então por sorrir, suspirar repetidamente e dizer 'We'll see'. independentemente do que ele dissesse. E movi-me para a cozinha, repetindo-me penosamente. Limpei todos os talheres e os copos, pu-los nos armários e arrumei-os por alturas, só para não ter de regressar à frustração de aparentar sérios problemas de compreensão. Finalmente a porta abriu-se e a senhora tratou do escocês.


terça-feira, 2 de novembro de 2010

Alice Dancing Under The Gallows

Uma simples e belíssima história.

Alice Herz-Sommer is 106 years old and she is the world’s oldest Holocaust survivor. A concert pianist and lifelong musician, she lives everyday to the fullest, imparting her optimism and wisdom on all those around her. "Alice Dancing Under The Gallows" is a new documentary.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Melhores histórias nos piores hotéis

Ray Bonner é jornalista e foi durante muito tempo correspondente do New York Times em vários países. Foi nomeado para o Pulitzer em 2001, com um trabalho sobre a pena de morte, trabalho esse que nos disse hoje considerar ser um dos melhores que fez, "talvez porque foi um dos que tiveram mais efeito". Dirigiu-se à nossa mesa no bar, depois de termos assistido a um curto seminário sobre o conflito na perspectiva de um jornalista. Hoje vive em St. Andrews e continua a escrever para o The New York Times e para a The New Yorker. Tem um episódio marcante na Times: a publicação de uma história fê-lo ser afastado de uma secção. A história contava o massacre de uma aldeia em El Salvador, durante a guerra civil, levado a cabo pelos militares salvadorenhos. Mas paralelamente, ainda no contexto da Guerra Fria, os Estados Unidos enviavam apoios para El Salvador. Criticada a publicação da história pela administração de Reagan, Ray foi movido para outra secção, levando-o a demitir-se. Tempos depois foi comprovado o massacre. Contou-nos hoje que desde os 18 anos nunca viveu mais de quatro anos no mesmo sítio. Acrescentou ainda que um correspondente não deve ficar num país mais do que dois ou três anos porque "deixa de ver o que o rodeia". E lembrou o que alguém um dia lhe disse: "as melhores histórias estão nos piores hotéis".

Será outra




Tenho apenas cinco dias mais no conforto da primeira casa que me acolheu. Não volto a apanhar maçãs, nem a ouvir o carrinho do carteiro nas pedras da Market Street. Já não passarei todos os dias pelo bouquiniste e não terei rosas brancas numa jarrinha quando chego a casa. A partir de então, a casa será outra.