Aos poucos, há pessoas que vou conhecendo apenas por me cruzar com elas na rua. Uma dessas pessoas é um senhor velhinho, que mora umas cinco casas a seguir à minha. Com mais de oitenta anos - ou assim parece - sai de casa de manhã cedo, por vezes à mesma hora que eu. Encontro-o a trazer a sua bicicleta para fora de casa. A porta está mais recuada na rua, por baixo de um arco, com um pequeno canteiro à frente. E ele, enrolado sobre si mesmo, traz já a mochila às costas. Uma mochila muito colada às costas, azul e com alças da mesma cor, que fica mesmo aconchegada a si mesmo. E tendo em conta o quão enrolado anda sobre si - como se tivesse adquirido a posição em que anda na bicicleta - sobe num ápice, equilibra-se e arranca pela loucura que é o chão desta cidade. Se digo arranca, é porque ele arranca mesmo com uma considerável velocidade, para um destino que ainda não sei qual é. Provavelmente a biblioteca, fazendo-me lembrar um outro senhor, esse português, com quem me cruzava várias vezes numa pequena biblioteca em Lisboa. Chegava cedo, encasacado, com uma saca a tiracolo. Andava rápido, embora os passos já não fossem leves. Levava sempre uma mão no peito, a segurar a alça da sua sacola e sentava-se sempre na mesma mesa redonda. Abria grandes livros e copiava, tudo à mão, numa letra impecável e inclinada, como normalmente são as letras de quem escreve há tanto tempo. Assoava-se frequentemente a um lenço de pano, que embrulhava e guardava no bolso. E, por vezes, tirava do outro bolso um saquinho de papel, onde guardava outro lenço com o qual limpava os lágrimas dos olhos. Lágrimas de olhos cansados, apenas, porque escrever páginas e páginas, antes e depois de sair para almoçar, cansa qualquer um.
Cruzo-me ainda com um rapaz que, embora com abrigo, é a única pessoa que por vezes se senta a pedir esmola. Vejo-o no supermercado. Arrasta os pés e tem o cabelo bem rapado, tornando ainda mais visíveis algumas marcas na cara. Não reparei no que comprou, porque me fixei nas últimas palavras quando pagou a conta. "Fique com o troco". Pouco depois, vi-o sentado nuns caixotes, à porta do supermercado, a pedir umas moedas. Talvez por nos cruzarmos tantas vezes, e por eu cometer o erro imperdoável de olhar demasiado para os movimentos das pessoas, acaba por me dizer sempre o que aparenta ser um 'hi' ou 'hey' ou 'hié'. Em resposta, emito um som semelhante.
Outro amigo da rua é o carteiro. Toda a gente se cumprimenta e sorri se os olhares se cruzarem por mais de três segundos (na Bélgica isso nunca me acontecia). Espreito sempre para o carrinho do carteiro - o tal que oiço a encravar-se nas pedras - esperando ver o símbolo dos correios portugueses impressos num caixote. Talvez por isso ele me pergunte se estou à espera de alguma coisa. Sorrio e disse que sim.
Cruzo-me ainda com um rapaz que, embora com abrigo, é a única pessoa que por vezes se senta a pedir esmola. Vejo-o no supermercado. Arrasta os pés e tem o cabelo bem rapado, tornando ainda mais visíveis algumas marcas na cara. Não reparei no que comprou, porque me fixei nas últimas palavras quando pagou a conta. "Fique com o troco". Pouco depois, vi-o sentado nuns caixotes, à porta do supermercado, a pedir umas moedas. Talvez por nos cruzarmos tantas vezes, e por eu cometer o erro imperdoável de olhar demasiado para os movimentos das pessoas, acaba por me dizer sempre o que aparenta ser um 'hi' ou 'hey' ou 'hié'. Em resposta, emito um som semelhante.
Outro amigo da rua é o carteiro. Toda a gente se cumprimenta e sorri se os olhares se cruzarem por mais de três segundos (na Bélgica isso nunca me acontecia). Espreito sempre para o carrinho do carteiro - o tal que oiço a encravar-se nas pedras - esperando ver o símbolo dos correios portugueses impressos num caixote. Talvez por isso ele me pergunte se estou à espera de alguma coisa. Sorrio e disse que sim.
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