segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Só porque atravessei a estrada

Um dia a comer chocolates, ao ponto de me enjoar dentro de um táxi. Chegava à última entrevista, depois de visitar recantos escondidos, de provar iguarias, de enfrentar o frio. Estivemos sentados nas únicas três cadeiras de ferro forjado branco, dentro da loja, com uma mesa entre nós - exactamente a mesma mesa e cadeiras, embora essas verdes, que a minha avó tinha no terraço da casa dela. Conversámos. Primeiro formalmente. Depois de ultrapassadas as barreiras, a conversa fluiu abertamente. E por baixo da minha cadeira jazia um saquinho de plástico com um nó, que tinha trazido comigo. O saco tinha uma história. Passei num mercado de velharias, com lojinhas de três metros quadrados repletas de antiguidades. Entrei numa para pagar um carrinho de bombeiros antigo que levava ao meu irmão. Dei as duas libras ao velhinho da loja, que me disse ser a 17ª loja que tem nos últimos 35 anos. ''Tenho clientes que me ligam do Japão, antes de virem a Londres, e me dizem o que querem. Vou aos mercados e feiras e tento encontrar o que eles me pedem, antes que eles cá venham''. Aceitei um saco de plástico para levar o carrinho, e ele tirou um saco bem usado, com um buraco pequeno no fundo. O tipo de coisa que o meu avô também desencantaria da garagem. Já a caminho da última entrevista, foi esse o saco que utilizei para meter as caixas das lojas anteriores.


Tinha chegado ao fim do dia e regressei ao meu quarto, num primeiro piso do hotel, a última porta do corredor. A janela, que fechava mal, dava para a rua principal, com o tipo de movimento e ruído de que gosto. O aquecedor funcionava, a água quente também. Só o secador é que tinha vida própria e decidia quando devia trabalhar e quando deveria parar. Saí do hotel de cabelo molhado, só para comer alguma coisa no restaurante mais perto que encontrasse. Um panfleto pousado na mesa do meu quarto indicava que num italiano ali perto tinhamos direito a dez por cento de desconto. Desci as escadas alcatifadas do hotel. Não eram propriamente umas escadas luxuosamente alcatifadas, em tons vermelho escuro ou verde seco, onde os sapatos não fazem barulho. Eram antes uma escadas com alcatifa escura e com padrões infernais, gasta no centro de cada degrau e tão descolada do chão que cada degrau parecia prolongar-se três centímetros à frente do que era na verdade.

Chegada à rua, dirigi-me ao primeiro restaurante italiano, exactamente do outro lado da rua. Percebi que não era ali que teria direito a desconto, mas decidi entrar. O dono recebeu-me em italiano e sentou-me numa mesa que considerou ser a melhor do restaurante embora não houvesse diferença nenhuma em relação às restantes. Do meu lado esquerdo tinha dois homens. Um de cabeça rapada, óculos e camisola vermelha de capuz, sentado em frente a um rapazola mais novo, que evitava olhar-me de frente. Do meu lado direito tive por momentos um homem que comeu toda uma pizza de tamanho médio a caminhar para familiar, enquanto eu apreendia quem estava à minha volta. Rapidamente pediu a conta e foi-se embora, dando lugar a outro senhor de fato e gravata cor-de-rosa, que a certo momento tirou a gravata e fez dela um rolinho perfeito, que pousou em frente a si próprio. Obviamente a gravata desenrolou-se toda pela mesa fora.

Mas antes que tivesse tempo para ver algo mais, o empregado estava à minha frente para aceitar o meu pedido. Achei que conseguiria dizer 'lasanha vegetariana' sem precisar de entoar um som italiano. Disse-o em português. E recebi de troca a pergunta, em inglês, sobre de que país eu era. 'Então podemos falar em português', voltou a dizer. Num instante aquilo que era um jantar sem qualquer promessa, num impessoal restaurante italiano ao fim de um dia de correria, transformou-se numa boa surpresa. Partilhámos um resumo das nossas vidas em três minutos, numa sensação de isolamento à nossa volta, pois aquela língua em que nos entendíamos tão bem era desconhecida para quem nos rodeava. Voltei a pedir lasanha vegetariana em português, pude perguntar se a limonada era mesmo limonada. E o sumo de laranja? 'É dos azedos. Não sei se gostas', disse-me, fazendo-me pensar em como habitualmente designo esse sumo como 'sumo de avião' e não 'sumo de laranja azedo'. Em cada intervalo de espera, havia sempre um minuto ou dois para saber um bocadinho mais sobre a coincidência de dois caminhos se cruzarem inesperadamente. Estava em Londres há um mês, arranjou trabalho no segundo dia depois de ter ido ali jantar e ter percebido que o dono era português. O tal dono que fala em italiano quando as pessoas entram no restaurante (vá-se lá duvidar que um português seja bom para o negócio...). Explicou-me que tinha estado a trabalhar na Alemanha nos últimos quatro ou cinco anos e que, antes disso, tinha trabalhado no Algarve. Voltar a Portugal? 'Só daqui a uns dez anos. Mas quero voltar'. Perguntei-lhe se o que recebia ali era decente e disse-me que sim. Um mês à experiência a ganhar um bocadinho menos, mas depois do primeiro mês 'ganha-se bem'. 'Trabalho todos os dias, servimos almoços e jantares e estamos abertos até às 23h'. Encolheu um ombro. Fez-me lembrar a conversa que tinha tido com as portuguesas no Luxemburgo: sim, acontece trabalhar mais fora de Portugal, mas ganha-se para isso.


Quando o dono do restaurante percebeu que partilhávamos as mesmas origens, fez-me sentir no tão confortável e familiar ambiente de uma tasca em Lisboa. 'A menina está bem?', perguntava-me cada vez que passava na minha mesa. Estava bem. Retardei a minha fuga, bebendo um chá aos poucos. Os dois empregados e o dono entendiam-se em português, que para algumas das pessoas passaria por italiano. As asneiras, os sotaques nortenhos, 'ó joão, 'tás a dormir?'. Ri-me sozinha e senti-me orgulhosa do que temos: fazer as pessoas sentirem-se em família é algo muito nosso. Saí do restaurante e percebi que o restaurante italiano onde teria desconto de dez por cento era exactamente do outro lado, junto à porta do hotel. Pelos vistos, estava destinada a conhecer o quarto português em Londres, vinte e quatro horas depois de ter chegado. E tudo porque, no fundo, atravessei a estrada.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Meia luz, Merlot e Goa


Um pilar separava-me do Freddy Cole, enquanto ele tocava piano com um anel no mindinho da mão direita. Atrás dele, o baterista era o homem negro com o cabelo mais branco que alguma vez tinha visto. Ia poupando o meu copo de vinho francês, que me custou quase seis libras, enquanto ouvia um concerto a meia luz no lendário Ronnie Scott's, em Londres. Uma noite que terminava um dia de viagem de comboio. Mas um dia de uma boa viagem, com sol e gelo, logo no começo da manhã. Todas as paisagens brilharam durante as cinco horas de Leuchars até ao centro de Londres. E ali estava agora, dezoito dias depois do início do novo ano e apenas pouco mais de vinte e quatro horas após o meu segundo exame em St Andrews.


As paredes do bar estavam forradas com vários quadros com fotografias dos muitos músicos que por ali terão passado nos mais de cinquenta anos de concertos. E, por ali, conseguia ouvir falar inglês com sotaque português, apercebendo-me lentamente de que teria de haver um português entre as cerca de 50 ou 60 pessoas no bar. Entretanto, mantinha fielmente o meu lugar, sentada num banco alto junto ao balcão do bar, o único vazio quando eu cheguei. Estava tudo cheio e o bilhete que eu tinha pago só dava para aqueles bancos. Durante a primeira parte do concerto, por simpatia, o senhor sentado no banco ao meu lado ofereceu-me o lugar dele. 'Just for five or ten minutes. Otherwise, you won't see him'. Agradeci. Durante uma música, vi-o a tocar. Chegado o fim dessa música, o senhor - que viria depois a saber ser sueco de uma cidade perto de Gotemburgo - disse-me 'ok, just one more song'. Aproveitei a simpatia antes de regressar ao meu banco mal posicionado.

Depois do intervalo, consegui um lugar melhor. Aliás, melhor do que se tivesse pago o bilhete mais caro. Continuei a bebericar o meu copo de Merlot, desejando que cada golinho tivesse uma duração mais prolongada. Inesperadamente confirmou-se: há um português em cada canto do mundo. As coincidências fizeram-no sentar-se no banco alto ao lado do meu e o acesso livre que tinha ao bar fez-me poder beber um segundo copo de vinho.

O dia seguinte era de trabalho e já passava da meia-noite quando saí. Troquei três palavras com o Freddy Cole, quando me dirigia à porta e o vi sentado no mesmo banco alto de onde eu o tentei ver sem sucesso. Simpaticamente deixou-me um enorme sorriso de despedida.

Saí para a Frith Street. E fui apanhar um táxi ao Leicester Square. Lancei-me para a estrada para finalmente entrar num táxi que me levaria a Paddington por 13 libras. E antes que o dia parecesse ter acabado, o taxista contou-me a viagem que fez a Goa. Falou-me de como nos habituamos a ter mais do que precisamos, como nos queixamos do tempo sem razão verdadeira para tal (nem ele imaginava como eu reconheci naquilo uma crítica a mim mesma). Falou-me do que é querer muito e querer sempre mais. E já depois de termos chegado ao meu destino, à porta do hotel, continuei bem encostada no banco do táxi enquanto ele me falava em como é preciso que saiamos do nosso mundo para percebermos o que realmente é o mundo.


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

É amanhã.




É já amanhã em Londres, como alívio e sossego depois das duas semanas de biblioteca, rodeada de livros, debates, temas, conceitos, autores. Conflitos e soluções para conflitos. Freddy Cole em Londres, numa noite de descanso.

E chegámos a isto.

date17 January 2011 11:38
subjectApril 29th
mailed-byst-andrews.ac.uk


Dear Student

I am pleased to announce that the University will treat April 29th, 2011 as a holiday, in recognition of the Royal Wedding and the Scottish Government's decision to designate the date a public holiday.

Staff will be given this day as an additional, non-transferrable, day of leave. April 29th 2011 will be an historic day for the university. If you have any suggestions on how best we might mark the occasion, please do not hesitate to pass your ideas along to our Events office at 600@st-andrews.ac.uk

With kind regards

Louise Richardson
Principal and Vice-Chancellor

domingo, 16 de janeiro de 2011

terceira chave


depois de esperar uma hora na rua, com o saco das compras impermeável e de padrão malhado, percebi que a porta da rua tem uma terceira chave para uma terceira fechadura. nunca antes usada, em quase quatro meses, mas que hoje estaria fechada. no dia que eu tinha planeado dedicar arduamente à leitura do livro que consegui trazer da biblioteca. acabei por esperar num café, onde adiava entrar há meses. li a revista do financial times e o suplemento de artes, coisa que não teria feito se não tivesse entrado ali. assim como perguntei ao rapaz do balcão se era bom o darjeeling tea. disse-me que não sabia e que eu lhe dissesse no fim. antes da aventura, tinha passado pelo bouquiniste da minha rua - o senhor que é rosado por baixo dos olhos e que sorri sinceramente. entrei, pousei o guarda-chuva. ele estava encharcado, com o seu casaco azul e verde, ao lado de um outro senhor. já nos tinhamos falado desde que eu cheguei, quando nos cruzámos na montra da loja, perguntando-me como tinham sido os meus dias em portugal. agora, fresco de memória, disse para o amigo que eu era portuguesa, o que me fez acenar e sorrir. 'onde o tempo de certeza estará melhor, não é?'. disse-lhe que sim. comentou com o amigo que eu morava ali na rua e que escrevia para uns jornais. 'este meu amigo é advogado', disse-me, acrescentando: "a justiça em portugal deve ser assunto difícil"... riam por pequenas coisas, como a história que ele começou a contar: 'descobri um antigo colega meu da escola, a quem disse que tinha uma livraria e ele disse: 'waw! a bookstore!'. acho que ficou a pensar que eu tenho uma grande livrara.' riram-se os dois, olhando para o espaço de três metros quadrados que no fundo é a dimensão total da sua bookstore. num pequeno intervalo, abstraí-me da conversa enquanto olhava para a prateleira que tem escrito 'travel'. os livros continuam a ser quase os mesmos e apercebo-me de que aqueles que tiro da estante paa folhear são também quase sempre os mesmos. quando apanhei a conversa novamente, riam-se depois do Mr. Bill (assim se chama o bouquiniste) ter dito ao amigo que há já três semanas anda à procura do telemóvel. comprei um livro da estante 'History'. livro esse que me salvaria enquanto esperava no café, até arranjar mentalmente uma solução para a abertura da porta. enfrentei a chuva e, com a ajuda do senhor mais simpático da rua (até mesmo antes do Mr. Bill), percebi que a senhora hoje tinha usado uma terceira chave, cuja utilidade até hoje eu desconhecia.

Foto: Sara Osório

sábado, 15 de janeiro de 2011

mistérios de biblioteca


E num instante passa-se uma semana, sem neve, a estudar para exames. Entre a escrivaninha à janela, em casa, e a mesa da sobre-aquecida biblioteca, misturo-me com as folhas e os livros. Lutamos todos para conseguir o livro que resume as aulas todas. Cruzamo-nos na biblioteca, comentamos o avanço do estudo. Uns têm horários rigidamente estipulados, acordam à mesma hora, chegam à biblioteca à mesma hora para conseguirem a mesma mesa. Até porque conseguir uma mesa na biblioteca, e sobretudo uma mesa perto de uma tomada, é um prodígio. Outros guiam-se pelo avanço das leituras, pela sensação de cansaço, pelo ambiente da biblioteca. Param para fumar um cigarro, para beber um café, para ir ter com alguém, para ir ao supermercado, para ir tirar um chocolate da máquina (e a máquina deixar cair dois). Uns lêem os livros entre as estantes, sentados no chão, sobre as carpetes que se diz terem sido utilizadas pelos bisavós dos actuais estudantes, dado o seu aspecto. Os dois pares de meias por cima das calças e as botas até ao joelho revelam-se um inferno para toda a gente quando a temperatura na biblioteca corresponde a um país tropical. A solução para quem passa horas no mesmo sítio, visto que a biblioteca está aberta das oito da manhã à meia-noite, é descalçar as botas. Então anda meia biblioteca descalça, incluindo o staff que passa dias a passear carrinhos de livros por entre as centenas de corredores, com as suas luvas brancas, arrumando os livros nas estantes. Cada um leva a sua merenda, os seus sumos e garrafas de água e a biblioteca transforma-se rapidamente na casa de muita gente. Por entre os muitos estudantes do mundo inteiro, encontram-se os famosos investigadores para quem a biblioteca é primeira casa. Desgrenhados, meios carecas mas, por vezes, com um pequeno elástico a apanhar os cabelos compridos que sobreviveram às tormentas. Meias vermelhas ou outras que apareçam primeiro, calças desorientadas pelo calcanhar ou a arrastar, usadas vezes sem conta, sapatos grandes. E depois há presenças assíduas, mas misteriosas. Como o senhor de idade avançada que a partir das nove da noite se passeia silenciosamente entre as estantes, sem sapatos, com a mesma camisola de malha verde com buracos, barba descontrolada e as duas mãos atrás das costas. Sem tocar nos livros, de cabeça baixa, parando quando chega ao fim das estantes. Hei-de conseguir saber que história esconde.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

não te vou seguir

A poucas horas do meu primeiro exame, com uma estranha sensação de total ausência de nervosismo, decidi ir comprar duas canetas. Depois de as comprar, pensei em regressar às minhas visitas aos alfarrabistas. Esteve um fabuloso dia de sol, que por vezes até me obrigou a fechar os olhos. E a neve derreteu toda entre a noite de ontem e a manhã de hoje. Virei para a Bell Street, enfrentei o sol mesmo nos olhos e segui o caminho de mãos nos bolsos do casaco, porque não tinha trazido as luvas. Por momentos imaginei cruzar-me com um colega que me perguntasse se eu sabia que íamos ter exame dentro de uma hora e meia.

Entrei no Barnardo's bookshop. Folheei uns livros e encontrei um a £2.50. Decidi trazê-lo. Enquanto procurava outros livros, apercebia-me como lá bem no fundo começo a sentir uma qualquer empatia pelo sotaque escocês. O dono da livraria falava com uma senhora. Um sotaque carregado, com uma personalidade muito vincada e uma entoação feita por pequenos arranques e elevações da voz. Engordando os erres e substituindo todos os sons 'ei' por 'ê'. Paguei, esperei por um saco, mas lembrei-me que não era necessário.

Saí com o livro na mão e como o passeio não tem grandes variações, nem qualquer tipo de obstáculo menos simpático, optei por ler o prefácio a caminho de casa. A meio do caminho, já sem o sol a bater nas costas, percebo que ainda ali estava o mesmo rapaz que um tempo antes tinha visto a tentar vender alguma coisa, fazendo parar as pessoas na rua. Adoptei a minha atitude de 'não, obrigada' - infelizmente como defesa mais do que como desprezo - mas algo me fez parar quando ele me disse 'não te vou seguir'. Não só parei como voltei atrás.

Perguntou-me que livro estava a ler. Como não só não tinha pedido saco como também vinha a ler o livro, disse-lhe qual era. Perguntou-me porquê. Expliquei-lhe. Lembrou-se que estava em St Andrews, e comentou para ele próprio que esta universidade tinha um curso isso. Num segundo, esqueceu a razão pela qual estava no meio da rua. Tinha sido soldado do exército britânico e esteve seis meses em Cabul. A conversa iniciou-se de forma simples, prolongou-se entre partilhas de opiniões, a minha insistente e incompreensível repetição da palavra 'construction', terminando em descrições sobre a diferença entre o mundo em termos reais e o mundo em termos 'construídos'.

Teria trinta e poucos anos, conversador, simpático. Um gorro e umas luvas, para além do papel forrado por plástico sobre a associação de recuperação de animais selvagens em extinção que manteve o tempo todo na mão. Pendurado no casaco tinha um cartão com a identificação e uma fotografia, mas colocado de forma a eu nunca a ter conseguido ler. Da apresentação da fundação para salvar os animais percebi pouco. Queria que eu me tornasse membro e doasse dinheiro mensalmente. Expliquei-lhe da forma mais simples que isso era impossível.

Ele não questionou, como se no fundo aquele discurso tivesse deixado de fazer sentido depois da anterior conversa. Tirou a luva da mão direita para que nos despedíssemos. Desejou-me uma boa leitura, agradeceu-me a conversa, e voltou a desejar uma boa leitura. Agradecemos várias vezes e segui caminho. Meia hora depois estava a fazer o meu primeiro exame.

Já este livro terá sempre a sua história por dentro e esta por fora.





Escocês sopinha-de-massa

Mais difícil do que perceber um escocês a falar rápido é perceber um escocês 'sopinha-de-massa' a falar com sotaque profundo, rapidamente e em tom baixo. Precisei sempre de um intervalo de cinco segundos após cada frase para entender o que ele tinha dito. Mas nunca precisei de pedir que repetisse.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Das pernas elásticas ao regador de lata


Acordar às cinco e meia da manhã, apanhar o primeiro avião às sete e meia e chegar a casa às sete e meia da noite. São doze inevitáveis horas entre Lisboa e St Andrews. Horas que se dividem entre um estado neutro, um estado de arrependimento do momento em que decidi vir e um estado de respirar fundo e pensar que vai ser bom. Durante as doze horas, tive a sensação de ter visto portugueses por todo o lado. Sentada na estação de Ferrytoll, uma salinha pequena e aquecida, com uma máquina de café moderna que só serve café a quem trouxer o copo no bolso, reparei que o saco de plástico que embrulhava o folhado do rapaz ao meu lado dizia 'Continente'. Ou outro rapaz, também por certo português, não só pela cara e a forma como afastava dos olhos uns caracóis pouco lavados, como pela expressão de encanto e felicidade com que entrava no autocarro que nos tinha levado até ao avião, ainda no aeroporto de Heathrow.

A espera no aeroporto de Heathrow é, em si mesma, uma viagem. Todas as culturas, religiões, países. É possível dar uma volta ao mundo em curtas horas de observação das pessoas. Depois de ver três indianos, um homem e duas mulheres, provavelmente da mesma família e claramente de gerações diferentes, sentadas umas ao lado das outras a comer milimetrica e simultaneamente uma banana, achei que me deveria sentar mesmo à frente deles. Concluí depois que o senhor três assentos ao lado poderia ser afegão. Tinha uma fabulosa flexibilidade das pernas. Tentava dormir sentado num dos bancos, de meias, com as pernas tão dobradas que os joelhos chegavam facilmente aos ombros, como se a barriga bem visível não afectasse a ginástica das jovens pernas. Até que tirou da sua saca uma caixa embrulhada num outro saco, com uma comidinha que levava à boca com uma colher de plástico. As pernas nunca foram desdobradas, pelo que a ginástica eram ainda maior de maneira a levar a colher da caixa à boca, sem nenhuma alteração da sua posição.

Passada a espera no aeroporto, esperava novamente para entrar no meu terceiro e último autocarro do dia e reparei que os motoristas têm ferramentas originais, para enfrentar o frio e a neve (a salientar o facto de eu ter encontrado a Escócia tal e qual como a deixei ha um mês atrás, ainda que só tenha recomeçado a nevar ontem). Uma dessas ferramentas é um enorme regador de jardim, de lata velha, onde põem água quente e a fumegar, que deitam para dentro de uma portinha que abrem mesmo na frente do autocarro. Por baixo do vidro, levantam a portinhola e lançam os dez fios de água simultâneos, ou não vá o regador estar preparado para não ferir as plantas.

Assim que cheguei a St Andrews, arrastei a minha mala de rodinhas pela neve, a escorregar por causa das solas das minhas botas. Voltei à sensação de ficar sem dedos dos pés, sempre a doer mais do pé esquerdo. Voltei ao supermercado e às minhas compras automáticas. E voltei a esta casa. Ainda que no fim do dia de hoje só me apetecesse uma única coisa: voltar para a minha casa.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Esperar para oferecer dinheiro

Como uma espécie de despedida deste país, desloquei-me pela sétima vez desde Abril à Segurança Social. Desde então que tentava fazer o meu enquadramento, de maneira a conseguir uma redução da taxa a pagar, visto que aquilo que ganhei em 2009 não foi assim tanto... Numa das seis vezes em que lá fui, consegui ser atendida. Depois de umas tantas horas de espera, talvez quatro, entrei num dos oito gabinetes. Só esse e outro estavam a funcionar. Rapidamente, e para não sair do habitual, a senhora explicou-me que me faltava um papel, que deveria trazer preenchido da próxima vez que voltasse. Voltei várias vezes e nunca consegui sequer ter uma senha. Fossem 9h30 ou 11h30, o fazedor de senhas tinha já um papel anunciando 'senhas esgotadas para este dia'. Consegui, à sexta tentativa, que o segurança me explicasse que as senhas esgotavam em quinze minutos, depois da abertura das portas, às nove da manhã.

Na minha última semana em Lisboa, e depois de todos os bons momentos passados, percebi que tinha de sentir a realidade. Às 8h20 de terça-feira estava na fila à porta. Quarenta minutos depois, entrava e tirava a senha quarenta e três. A senha número um ficou para um senhor que estaria lá, por certo, antes das seis e meia. Às 11h da manhã, duas horas depois de ter aberto, ia na senha doze.

Por vezes, sentei-me nas poucas cadeiras da sala de espera. Prineiro, alguns bancos tinham desaparecido e estavam agora substituídos por cartões, para o caso de alguém em desespero decidir sentar-se num cartão e não num banco. Segundo, o segurança veio distribuir seis revistas. Para completar as mensagens que passavam numa televisão pendurada numa parede, sobre abono de família, as revistas distribuídas tinham o título: 'A nossa gravidez'. Terceiro, a espera revelou-se útil para uma das senhoras que esteve sentada ao meu lado, visto que tricotou uma camisola de lã da barriga até aos ombros. Quarto, todas as pessoas traziam bebés, mesmo que não fosse estritamente necessário, visto que isso lhes garantia uma senha prioritária. Entre bebés, grávidas e pessoas acima dos 65 anos (a maior parte delas), poucos eram os que ficavam sem senha prioritária. Eu era, infelizmente neste caso, uma delas.

Quando fui atendida, deopis de esperar sete horas, percebi que do curto ordenado mensal passarei a ter de dar trinta por cento à segurança social. Isto, depois de uma tremenda espera em que se pondera cada decisão tomada, revela-se facilmente a ruína de um dia.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

What are we doing?

Human Rights Metaphor


If one culture is allowed the prerogative of imperialism, the right to define and impose on others what it deems good for humanity, the very meaning of freedom itself will have been abrogated.


Makau Mutua, 2001, "The metaphor of Human Rights"
Harvard International Law Journal | Vol.42 | p. 219


sábado, 1 de janeiro de 2011

meio termo?

Je connais déjà bien les limites de mes deux options - partir ou rester. Si je pars pour beaucoup de temps, il me manque. Si je reste ici beaucoup de temps, je deviens folle.