Controlo em mim a tendência em olhar para tudo o que faço e pensar que é a última vez que nestas exactas condições as faço. A última vez que abro as cortinas de manhã com o cuidado necessário para não deitar a baixo o candeeiro com uma bola de vidro, que era da mãe da dona da casa. A última vez que desço as escadas e faço uma torrada, já não na torradeira, mas entalando o pão numa grelha, metida no Aga. A última vez que aqueço a água numa antiga chaleira e que espero que chie até saber que está a ferver. Assim como é a última vez que passo pelo bouquiniste - hoje a mulher do senhor rosado junto aos olhos estava a aspirar a loja - ou como já não vou ouvir o carrinho do carteiro entalar-se nas pedras. Acabaram-se os serões a meia luz, ao calor do fogão, a jantar tarde e a conversar sobre qualquer coisa. Já não terei o jornal todos os dias e não começarei o dia a debater as notícias com a senhora. Já não receberei um copo de vinho chileno quando chego a casa arrasada ou seis rosas e um postal na minha secretária em frente à janela. Já não vou conseguir acompanhar diariamente, logo pela manhã, o crescimento das flores de Natal plantadas recentemente numa grande taça com terra, colocada no parapeito da enorme janela junto às escadas. Está quase a aparecer a primeira flor. Só me vou mudar para duas ruas abaixo e regressarei cá sempre que puder. Só não volta a ser isto. Um dia a minha mãe disse-me que com o tempo aprendemos a não criar ligações tão intensas com tudo o que nos rodeia e que nos defendemos para não criar vida em tudo aquilo que não a tem. Ainda estou a tentar aprender isso.
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