quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Há dias em que, cá em casa, quando ponho uma panela ao lume às oito e meia da noite me sinto fora dos hábitos locais. Tão fora ao ponto de me forçar a pensar que no país de onde venho muita gente está a pôr panelas ao lume. Sinto-me a glutona que come às oito e meia como se fosse meio dia, para depois ir para a cama de barriga cheia. É pouco elegante ir para a cama de barriga cheia. E dou por mim a sentir-me tão glutona por jantar às oito e meia como se me tivesse levantado da cama às quatro da manhã para fazer um refogado e comê-lo à colherada. 

Quando o tempo é pouco, o trabalho é muito, tudo se acumula a dias de partir p outro país... o computador avaria. Respiro fundo. Levei-o a arranjar e expliquei ao rapaz que para o ligar tem que utilizar um lápis. O botão já há muito que se perdeu para dentro do computador.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Limpar as janelas por fora cá custa 11 libras, subiu uma desde o ano passado. Eles aparecem na rua com escadotes, sorriem quando chegam à janela, limpam-na e acenam antes de descerem. Depois vão à volta, galgam o muro do jardim, aparecem na outra janela e voltam a acenar. Tocam à campainha e pedem o dinheiro. Vêm uma vez por mês e devem conhecer as vidas, ou algo mais, de toda a gente na cidade.

domingo, 20 de fevereiro de 2011



How justified and necessary is the current foreign military presence in Afghanistan?

The Western allied forces have been fighting in Afghanistan for more than eight years, and although they have established a legal government in Kabul, security, peace and development for the Afghan people are still far out of reach.

Backlight examines the justification and necessity of a foreign military presence in Afghanistan and addresses the most important question; What does the West want to accomplish in this country with its tormented history?


Exit Afghanistan features stories of ordinary Afghans, interviews with Taliban leaders and warlords and intertwines these with comments from Richard Holbrooke, Lakhdar Brahimi and Ahmed Rashid. Renowned Middle East correspondent Robert Fisk provides a historical perspective.




Peter Oborne, political editor of the Spectator, reports on the West’s exit strategy for Iraq. He believes the invasion of Iraq is proving to be the greatest foreign policy failure since Munich. Oborne argues that the plan to transform Iraq into a unified liberal democracy, a beacon of hope in the Middle East, is pure fantasy. Reporting on location with US troops in Sadr City, and through interviews with leading figures in Britain and the US, Oborne argues that the coalition and its forces on the ground are increasingly irrelevant in determining the future of Iraq – a future that’s unlikely to be either unified, liberal or democratic.
The film includes interviews with Richard Perle, Peter Galbraith, Deputy Chief of Army staff General Jack Keane. Oborne also interviews Rory Stewart, who worked as a deputy governor in Nasyriah and witnessed first hand the rise of the pro-Iranian fundamentalist parties that are now at the heart of the Iraqi government.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Futebol escocês

uma senhora consideravelmente gordinha, avançada nos setentas, com uma saia de certeza (bem) feita à mão, cinzenta, com pregas a toda a volta e uma camisola de malha azul. almoçámos na mesma mesa, cá em casa. tem um relógio puxado para trás no pulso e fala com sotaque escocês. percebi tudo. mas foi a primeira pessoa - e a última que eu esperaria - a dizer que portugal tem bons jogadores de futebol. descreveu-me jogadores, o futebol escocês, o que se perdeu nos últimos anos, os jogos a que foi assistir. falou do maradona, do encanto que ele foi para a juventude. e prometeu que da próxima vez que nos encontrássemos falaríamos de outra coisa que não de futebol.

Momentos embrulhados


Há momentos em que páro e penso como é que um dia irei recordar estes sítios. Acontece-me isso quando vou a andar numa das ruas, onde me cruzo sempre com gente diferente, não fosse a cidade ter nove mil estudantes. Ruas onde não passam carros, apenas pessoas. Cada uma à sua velocidade, carregando livros, sacos, sem nada nas mãos, só com um café, ou puxando carrinhos de mão. É que nessa rua há um dos - diz-se - melhores restaurantes indianos da cidade. Nunca o experimentei, pois o preço de uma refeição dá para três dias de supermercado. Dos restaurantes só conheço os empregados que fumam, é com eles que me cruzo às portas, encostados contra as paredes se estiver a chover. Já tentei, mas não há hábito de se cumprimentarem as pessoas às portas só porque já nos cruzámos no mesmo sítio várias vezes. Apenas se partilha um olhar de reconhecimento: 'estavas aí há bocado', 'esta já passou por aqui hoje'. Outros não fumam à porta mas empurram carrinhos de mão, que encaminham pelas portas das traseiras para as cozinhas. Lá vão os carros a saltar pelos paralelepípedos velhos de pedra, como acontece com o carrinho do carteiro. Sigo o meu caminho, umas vezes pelas pedras desencontradas, outras vezes pelos estreitos passeios lisos, junto à entrada nas casas. O dia em que parei para pensar que voltaria a lembrar-me daquela rua foi quando vi um enorme gato gordo, castanho claro, a percorrer o seu caminho no passeio liso. Vinha lento, bamboleando-se e ocupando o espaço que eu tencionava ocupar até ao fim da rua. Era o gato mais gordo que eu tinha visto, embora fosse a versão real do gato da televisão. Senti-me obrigada a afastar-me do seu caminho, assim como na cidade somos obrigados a alterar a nossa trajectória por causa dos corvos. 
Nessa rua talvez exista um espaço de três metros entre as casas da esquerda e as casas da direita. E pendurado na parede, na esquina da rua, está um relógio antigo. A uma certa hora do dia, quando há sol, é exactamente ali que bate. 
Hoje, quando saí da biblioteca, tive a mesma sensação: um dia vou lembrar-me disto. É como se  saísse de mim e fotografasse o momento, mas com emoções, cheiros, sensações. Pouco passava das seis, trazia comigo dois livros, um computador pequeno dentro de uma sacola laranja que saiu numa revista de informática comprada pelo meu irmão, um caderno que comprei no pingo doce e o casaco apertado até cima. Ao fim do dia já era o casaco preto que eu trazia, pois os únicos dois botões do casaco que vesti de manhã caíram. Saí pela porta da entrada, pois já cheguei ao estatuto de poder quebrar as regras que cumpria quando cheguei. Só a porta da entrada abre automaticamente, a da saída implica ter uma mão livre ou ir de ombro contra a porta para a abrir. Assim que cheguei cá fora, já estava escuro e dei conta da luz focando directamente a torre da igreja. O relógio - talvez seja esse que oiço tocar de hora em hora em casa, antes de adormecer - estava iluminado por uma luz azul. E como o céu até estava limpo, a bola do relógio e a bola da lua estavam à mesma altura. Vim o resto do caminho a pensar se realmente recordo hoje outros momentos em que isto me tenha acontecido. E lembro-me de ir a caminho de casa nas madrugadas belgas, em Louvain-la-Neuve, na lentidão de quem sobe uma rua íngreme (parecia sempre mais íngreme ao fim da noite). Numa dessas madrugadas soube que as três estrelas em linha, que via sempre no regresso a casa, tinham um nome. Lembro-me de  momento em que pensei: 'tens de te lembrar disto um dia mais tarde'. E a verdade é que não só me lembro do momento. Ainda o sinto: o cansaço, os ouvidos tapados pela música alta, a confusão na cabeça de uma noite de conversas, emoções, encontros e desencontros, a minha cama a uma distância cada vez mais curta. E afinal talvez seja mesmo bom ir parando de vez em quando para pensar que um dia tenho de me lembrar destes momentos. É como se nesse instante os embrulhasse para os voltar a viver mais tarde.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Emigração é cada vez mais qualificada e feminina  

Onze por cento dos que terminam o ensino superior em Portugal emigram  [Raquel Martins, in Público]



Com a economia em recessão, os jovens portugueses procuram no estrangeiro as oportunidades que em Portugal escasseiam. Foi assim com os seus avós na década de 60 do século passado. É assim no século XXI, com duas diferenças significativas. A emigração actual é mais qualificada e mais feminina.

"Temos uma mistura entre o saco desportivo [que representa os emigrantes pouco qualificados] e a mala de executivo [onde se incluem os diplomados]. O saco desportivo é maior, mas a mala de executivo tem aumentado mais", resume Jorge Malheiros, investigador do Centro de Estudos Geográficos.

Os dados compilados por este investigador, que comparam dois destinos tradicionais - França e Luxemburgo - com Espanha e Reino Unido revelam que a percentagem de emigrantes com o ensino superior que entram nos novos destinos é de 7,5 e 19,3 por cento, enquanto nos destinos mais tradicionais não vai além dos 4,1 por cento. As mulheres também são a maioria dos que entram em Espanha e no Reino Unido.

Os números sobre a saída de portugueses diplomados para o estrangeiro escasseiam, mas há um dado mais ou menos consensual que aponta que 11 por cento dos que terminaram o ensino superior emigram. O problema é que ao contrário de outros países, os licenciados que imigram para Portugal não compensam os que saem.

Angola, Alemanha, Luxemburgo, além da Suíça ou do Reino Unido têm-se afirmado como os destinos mais comuns. Espanha também, mas com a crise os fluxos para o país vizinho têm-se reduzido, frisa o geógrafo. 


http://jornal.publico.pt/noticia/13-02-2011/emigracao-e-cada-vez-mais-qualificada-e-feminina-21283151.htm

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Para além do jornal diário que a minha senhoria me deixa todos os dias à porta do quarto, em cima da cama ou no meu monte de jornais por ler, há mais coisas. Café todas as manhãs. 'Porque não vale a pena fazer em pequenas quantidades e já sei que também gostas'. Então acordo todos os dias com um maravilhoso cheiro a café em casa. Desço e lá está o meu café, com a máquina ainda ligada para o manter quente. 'Está aí o café para ti', diz-me. Mas há mais. 'Este prato não consigo cozinhar em pequenas quantidades, portanto peço-te que me ajudes a comer'. Partilhamos receitas, conselhos e sugestões. E já me disse que vamos começar a fazer um concurso de quiches... Hoje a vizinha veio trazer cá à porta um papelinho com o nome de um livro sobre Sarajevo, para eu ler antes de ir para a Bósnia. E um outro livro, 'que será muito interessante para ti': The Reluctant Fundamentalist, de Mohsin Hamid. Ainda do jornal de hoje, retirou uma página com a crítica a um novo livro sobre um tema que discutimos há uns meses: Talking to the enemy: Violent Extremism, Sacred Values and What it Means to Be Human, de Scott Atran. Para terminar o dia de hoje, trouxe-me uvas ao quarto.

Pipocas kid e um buraco onde me enfiar

Não mais esquecerei o dia em que fui ao cinema com a minha senhoria, comemos um caixotinho de pipocas  tamanho 'kid' e vimos o Black Swan.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Acalmadas as emoções


De regresso a uma rotina simpática, quando já posso deixar as galochas no armário dos sapatos, onde a dona da casa as pôs como sinal de que o pior já passou. Caminhamos para um tempo melhor, podendo calçar sapatos novamente. Aulas, seminários, cafés a meio da manhã, cerveja ao fim da tarde, projectos, discussões, planos para viagens Voltámos às discussões sobre os nossos países. Ponderamos para onde havemos de ir a seguir, o que quereríamos fazer, o que podemos fazer. Há momentos em que tudo volta a parecer possível, outros momentos em que a realidade nos puxa para baixo. O mais importante? Encontrar um equilíbrio. O mesmo equilíbrio entre a ambição e as raízes, entre o sair e o ficar.

E arranca mais um semestre, os últimos meses a estudar. Onze semanas de aulas, Bósnia, ensaios, apresentações, portefólios e exames. Agora que acalmei as emoções, acho que vão ser bons meses de trabalho.

Sara Osório

Sara Osório

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Procuram-se três livros, por quatro libras

Visitei museus, comi sandes até não poder mais, bebi sumo de laranja e cafés. Descobri um alfarrabista em Paddington, que tinha uma cave cheia de livros a metade do preço. Deliciei-me durante uma hora, fiz as contas e trouxe três livros por quatro libras. Enquanto pagava, encontrei um guia sobre Lisboa, em inglês, por duas libras. Estava pousado na mesa das 'boas oportunidades'. Deixei-o lá, imaginando que em breve pudesse ser comprado por alguém. Agarrei no meu saco e vim-me embora, feliz pela minha compra. No dia seguinte, dividi as minhas horas em Londres pelas três entrevistas, embalada pela mesma sensação do dia anterior. Parei num banco do Hyde Park por uma hora. Um banco dedicado a Ali Afridi, pela Laila. Vários portugueses e brasileiros passaram ali: tenho curiosidade em saber qual o aumento de portugueses em Londres nos últimos tempos. Indianos, árabes, asiáticos: bebés de todas as cores, mulheres de lenço ou de calções. Várias línguas e formas de olhar. Mas seja como for todos param em frente aos esquilos ou dão comida aos pombos. Minutos depois viria a conhecer um majestoso hotel perto do Hyde Park, onde me depararia com tão diferentes conversas. Três cafés depois, partia em direcção ao metro. E depois ao comboio. Já de rastos, esperei uma hora na estação até apanhar o comboio nocturno que me levaria de Londres até à Escócia. Tentei dormir mas as oito horas e meia de viagem, com as luzes permanentemente acesas, desesperaram-me. Recorremos todos às vendas nos olhos, oferecidas pela Scot Rail. Cada um tinha um ar mais tresloucado que o outro com as vendas postas nos olhos, mas cinco horas depois já era indiferente. Acordei de meia em meia hora sem circulação nas mãos. E às cinco e um quarto da manhã, comecei a arrumar as minhas coisas todas para não me esquecer de nada. Às cinco e quarenta e dois chegámos à estação. Cheguei à porta do comboio e a estupidez trazida pela exaustão fez com que não a conseguisse abrir [não cabe na cabeça de ninguém que o fecho da porta do comboio só exista por fora, exigindo que tenhamos de abrir a janela]. Bati em desespero, até um único senhor que saiu do comboio me ter aberto a porta. Subi e desci os milhentos degraus da estação, entrei no táxi e quando o taxímetro corria ao segundo nocturno, lembrei-me do meu saco de livros do bouquiniste. Tinha ficado no comboio.

Contra a corrente

Foi no instante em que me espetei contra uma corrente que percebi: estava  um bocadinho desorientada. Cada vez mais as viagens de avião, aeroportos, comboios, metros, linhas, horários, táxis e taxímetros a correr ao minuto, tudo envolvido por libras a correrem ao segundo, me deixam perdida. Se tudo corre bem, olho para trás e penso que afinal foi fácil. E que tudo vai parecendo cada vez mais fácill: há cinco anos alguma vez te meterias nisto? Mas depois há sempre as contrariedades. O cartão escocês que não funciona porque provavelmente voltei a esquecer-me do código, o cansaço que se acumula e que me leva a fazer tudo sem conseguir pensar. E ainda a permanente sensação de não saber se sou turista, visitante, emigrante, parte da cidade ou, simplesmente, se consoante a forma como me comporto sou uma mistura de tudo. Se me apetece ser parte da cidade, não tiro fotografias. Se me apetece ser turista, tiro a máquina. Olho para o mapa dentro do metro se não me importar em estar ali como visitante. Ou então decoro as estações e as linhas, agindo como se aquele fosse o meu caminho de todos os dias.
Era quase uma da manhã, arrastava a mala desde que tinha chegado a Gatwick às dez da noite. O avião até tinha chegado mais cedo, o que me fez pensar que conseguiria apanhar um comboio e o metro a tempo de poder evitar o balúrdio de um táxi. Apanhei o comboio, mas desta vez sentia-me perdida. À minha frente estavam três franceses: um casal e uma miúda. Talvez esteja a estudar cá e os pais a tenham vindo visitar. Mas sentia-me estranha, ao contrário das emoções de há duas semanas atrás, quando facilmente me senti parte da cidade, da língua, das correrias nos corredores do metro, das descidas em velocidade pelo lado esquerdo das escadas rolantes. Só que desta vez a sensação era outra, sem saber  sequer se queria estar ali. Corri para apanhar o metro e, uma estação depois, percebi que a linha de que eu precisava estava em obras. Tive de apanhar um táxi.
Pela primeira vez, o google maps atraiçoou-me. Percorri as ruas sem encontrar o hotel, passando pelo único homem na rua, à porta de outro hotel. Tive a sensação de que teria de lhe pedir ajuda, mas segui caminho. Percebendo que não ia dar, voltei atrás e senti que ele já contava que aquilo fosse acontecer. Talvez por termos os dois sotaques enferrujados, ou por de alguma forma partilharmos a sensação de não sabermos bem o que somos numa cidade onde de repente nos sentimos estranhos, ele ajudou-me. Era italiano, pegou no papel onde eu tinha escrito a morada do hotel. Demorou imenso tempo, explicando-me que  computador era lento. Fui desvendando aquele outro hotel: quarto individual por 130 libras. Ele estava sozinho na recepção, um espaço de chão brilhante, jarras grandes de flores. Quando tentou imprimir as indicações, a impressora não tinha papel. 'Londres é isto', disse-me. E nesse momento  partilhámos a frustração de quem está fora de casa, num dia menos bom que os restantes. Acabou por me dar um mapa da cidade, onde fez duas cruzes. Uma para 'estamos aqui', outra para 'o hotel é aqui'. Antes que eu saísse, desejou-me boa sorte e disse que tivesse cuidado. 
Percorri o curto percurso que seria até ao hotel. E não havia nada nessa cruz. Nem hotel, nem ninguém. Comecei a avançar apenas em direcção a uma luz, para poder telefonar, até algo me ter impedido de movimentar mais. Tinha ido contra uma corrente, colocada numa rua, para impedir a passagem de carros. Consegui rir-me sozinha na escuridão. Foi quando levantei a cabeça e percebi que tinha encontrado o hotel.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

É por dias com um tempo como o de hoje que é impossível viver muito tempo longe de Portugal. E de Lisboa, em especial.