terça-feira, 5 de outubro de 2010

Borracha de bengala

Acertei na fila do supermercado onde estavam todas as old ladies escocesas. Com as suas saias axadrezadas, compridas, collants e umas botas quentes, forradas de pêlo. Têm sempre um casaco do mesmo género, encerado e haverá nelas, quase sempre, a cor bordeaux. Os antigos cabelos loiros são hoje brancos, mas sempre penteados. Trazem os carrinhos das compras ou então os sacos recicláveis, de tecido, aos quais também já aderi. E, não raras vezes, depois de tirarem as compras do carrinho, para pousar no tapete das caixas, o carrinho cai para trás. Os movimentos, compreende-se, não são muito rápidos e, avaliados os seus perfis, a demora da fila passa à fase de exigir de mim alguma paciência.

Enquanto espero, reparo na moeda de 1p que está junto dos pés da senhora. Elaboro um curto plano para a apanhar. No momento seguinte, aproxima-se disfarçadamente um senhor, como se procurasse alguma coisa no chão, junto de cada uma das caixas. Moedas, talvez. Mas a ideia de o ver baixar-se não me pareceu possível.

Rapidamente, detectou a moeda que já fazia parte dos meus planos. E, nesse instante, com a pouca rapidez que a idade ainda lhe permitia, fez escorregar a borracha do fundo da sua bengala até zona envolvente da posição da moeda. Passando rente às pernas da senhora de botas de pêlo. À terceira tentativa, conseguiu arrastar a moeda quase até si, criando um momento em que se baixou lentamente para a apanhar. A senhora das botas, dando conta do que se passava, inclinou-se para o chão para ajudar. Ele justificou o seu esforço: 'todos os dias apanho uma moeda aqui'.

Eu percebi então que, por ter estado tão atenta ao que se passava, nem me baixei para lhe apanhar a moeda, ficando a observar duas pessoas com quase um século de vida lutando para se baixarem e conseguirem alcançar uma moeda.

E como quem terá começado a andar há mais de 80 anos, apoiado na sua melhor ajuda, o senhor estreitou-se entre as pessoas na fila do supermercado e saiu, sem compras, mas com o dever cumprido.

Sem comentários: