domingo, 31 de outubro de 2010
pela Escócia
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Já estás a tentar
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Les Moments Sacrés
Horas mais tarde, viria a conhecer Jean-Marie Téno, realizador de vários documentários sobre a história colonial e pós-colonial de alguns países africanos. Nasceu nos Camarões e vive no sul de França. Inserido no Festival do Cinema Africano, assisti a um dos seus mais recentes documentários: Les Lieux Sacrés. O próprio cinema africano dentro de um filme africano: como um homem numa pequena cidade do Burkina Faso criou um cinema local, num espaço que aluga por mês, tentando que o valor cobrado por cada entrada pague o aluguer desse mesmo espaço no fim do mês. História essa cruzada com um outro homem, que se intitula como 'Écrivain public', pressionado durante anos pela responsabilidade de assumir uma profissão que sustentasse a família, uma profissão "técnica", longe da escrita. Até que um dia desistiu de tudo. E passa hoje os dias a escrever num portão de ferro verde, frases que poucos percebem. Uma terceira história completa o documentário: um artesão, dedicado ao djembé, que assume o papel de ligar a música ao cinema, percorrendo a cidade com o seu djembe a anunciar os filmes desse dia. Lugares sagrados, explicou o realizador, "porque não só o cinema local é visto por muitos como um lugar sagrado, mas também porque nas horas livres entre a projecção dos filmes, esse mesmo espaço é utilizado para oração dos muçulmanos que vivem na cidade". Em conversa depois do filme, Jean-Marie Téno confessou-me conhecer bem Lisboa e gostar especialmente de Fernando Pessoa. Perguntei-lhe se desde o início teve noção de como as pequenas histórias que contava resumiam de forma tão concreta o nosso mundo de hoje. "Confesso que quando os conheci,percebi que havia ali alguma coisa de especial. Só não sabia bem o que era. Vim a descobrir e a concluir isso mesmo: como três pessoas numa cidade que ainda conserva o mais tradicional do país conseguiam resumir tantas histórias". Partilhámos o gosto pelas pequenas histórias e ficou prometida uma passagem por Portugal em breve.
Guardo ainda, da noite de dia 23, o regresso ao hostel onde viria a dormir muito pouco. Muita gente nas ruas à noite e uma lua maior do que alguma vez a vi. Percebi que cada um dos bancos de madeira tem uma chapa de metal com uma dedicatória a alguém. Como se cada um dos bancos representasse uma pessoa, recordando a sua vida, obra, carácter, acto heróico ou, simplesmente, a sua existência.
De domingo ficam as pontas dos dedos inchadas dos 0ºC da manhã e os esquilos ainda a usufruir da liberdade que tiveram durante a noite enquanto ninguém lhes ocupou os relvados. Inevitavemente fica a sensação de um segundo aniversário passado longe de casa, valorizando a liberdade, mas questionando se todas estas sensações - nem sempre boas - fazem parte da própria liberdade. Ou escolhes conforto ou escolhes subir o Evereste, concluí. As duas nunca poderás ter, até porque cada uma delas pertence a mundos diferentes.
Ovelhas pequenas
domingo, 24 de outubro de 2010
sábado, 23 de outubro de 2010
Auê
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
18h30
Lá estavam
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Defeitos
Acontece que hoje houve uma conferência sobre se a violência contra injustiças pode ser justificada. Na cadeira à minha frente desenrolou-se uma luta contra a tosse, uma luta que eu acompanhei de mais perto do que a própria conferência, infelizmente. Analisei cada gesto e movimento da pessoa que mais valia ter ficado em casa, mas que veio à conferência e passou o tempo a lutar para não tossir. Cada vez que a tosse falou mais alto, ela agarrava no casaco castanho, com forro de seda ou a imitar seda, com etiqueta da Marks & Spencer, e tossia para o casaco. Em particular para uma manga, a esquerda. Para além de todo o tipo de actividades menos próprias com o cabelo, que me desconcentraram absolutamente e me obrigaram a tirar a pastilha da boca, de tal forma estava já enjoada. As unhas eram enormes e serviam para tudo, o que me criava arrepios nos braços como nunca antes os tive. Acabei por me encostar na cadeira, tentar ouvir o que se discutia na sala e tirei os óculos para que não visse mais do que queria.
Arranjei um sítio óptimo para os óculos: pendurados por uma haste na mesa recolhível à minha frente. Já tinha descoberto isso antes e achei bem pensado. Passou-me de raspão a ideia de poder esquecer-me deles ali, mas concluí que por me ter pensado nisso, isso já não aconteceria. Finalmente consegui concentrar-me na discussão que decorria na sala e abstrair-me da tosse reprimida.
Infelizmente precisei de quatro horas para perceber que os meus óculos ficaram pendurados por uma haste na mesa. Não me adianta chorar, apenas espero que amanhã ainda lá estejam. E se ainda lá estiverem, garanto que nos próximos tempos andarão sempre arrumados.
Low Mood Study
I am a PhD student in psychology from the University of St Andrews, looking at how mood affects our ability to solve personal problems. I am interested in individuals who are currently experiencing low mood. If you feel you fit this description, I would be particularly interested in hearing from you. This two-part study will take about 2 hours to complete over two 1-hour long sessions. Those taking part in the study will receive £5 per hour for their participation.
Nova profissão
Hoje, faria anos
terça-feira, 19 de outubro de 2010
domingo, 17 de outubro de 2010
pelo tempo, sem tempo
mudei lâmpadas, limpei candeeiros, fui às compras. acordo cedo e começo a trabalhar tarde. acordo cedo e saio de casa tarde. o álbum já não estava no alfarrabista e começo a conhecer de cor os livros expostos na mesa, no meio da estrada, ao sábado de manhã. encontrei café a £1.25, bebi-o sem açucar, pior do que café queimado numa tasca perdida. enquanto o bebia, as asas do saco de plástico que tinha enterradas no braço esquerdo rasgaram-se. apanhei tudo do chão e vim para casa.
não me consegui abstrair da estupidez de uma saída à noite nesta cidade, que me fez lembrar o tempo de erasmus. quatro anos é tempo suficiente para que o mundo seja outro. hoje acordei e trabalhei arduamente. páro agora e pergunto se andarei a controlar e equilibrar bem o meu tempo. a resposta é claro que não.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
A arte dos álbuns
Procura licenciatura? Aqui é gratuita.
Podem conciliar quase todas as áreas de estudo que quiserem, como por exemplo, para alguém indeciso: química e literatura francesa.
Outros amigos da rua
Do yourself a favor
"Once to Delhi", Ashoke replied. "And lately once a year to Jamshedpur". [...]
"Not this world", he said. "England, America".
"My professors mention it from time to time. But I have a family", Ashoke said.
Grosh frowned. "Already married?"
"No, a mother and father and six siblings [...]".
Ghosh shook his head. "You are still young. Free", he said, spreading his hands apart for emphasis. "Do yourself a favor. Before it's too late, without thinking too much about it first, pack a pillow and a blanket and see as much of the world as you can. You will not regret it. One day it will be too late."
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Paella ou tapas
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Amigos da Rua
Cruzo-me ainda com um rapaz que, embora com abrigo, é a única pessoa que por vezes se senta a pedir esmola. Vejo-o no supermercado. Arrasta os pés e tem o cabelo bem rapado, tornando ainda mais visíveis algumas marcas na cara. Não reparei no que comprou, porque me fixei nas últimas palavras quando pagou a conta. "Fique com o troco". Pouco depois, vi-o sentado nuns caixotes, à porta do supermercado, a pedir umas moedas. Talvez por nos cruzarmos tantas vezes, e por eu cometer o erro imperdoável de olhar demasiado para os movimentos das pessoas, acaba por me dizer sempre o que aparenta ser um 'hi' ou 'hey' ou 'hié'. Em resposta, emito um som semelhante.
Outro amigo da rua é o carteiro. Toda a gente se cumprimenta e sorri se os olhares se cruzarem por mais de três segundos (na Bélgica isso nunca me acontecia). Espreito sempre para o carrinho do carteiro - o tal que oiço a encravar-se nas pedras - esperando ver o símbolo dos correios portugueses impressos num caixote. Talvez por isso ele me pergunte se estou à espera de alguma coisa. Sorrio e disse que sim.
Num dos textos sugeridos, a influência dos media internacionais é referida, apontando uma espécie de "obsessão com a hipocrisia". "The charge of hypocrisy resonates powerfully in the modern global media, and those powers which present themselves as idealistic are particularly vulnerable to it. [...] The international media and diplomatic response to the existence of the Guantanamo facility has been thunderous and, at least until lately, continous; Russia's atrocities in Chechnya, in contrast, have received only sporadic attention and occasional, and utterly ineffectual, criticism. The reasons for this are complex, but surely one critical factor is that the United States presents itself as a moral actor, while Russia does not pretend to be anything other than ruthless". Independentemente de ser um exemplo acertado ou um argumento suficiente, o autor acrescenta: "In modern democracies, a blackened reputation and a compelled resignation from public office typically is the worst penalty for failure." (C. Dale Walton, "The Case for Strategic Traditionalism", International Peacekeeping, Nov 2009)
Uma das discussões recentes terminou com a questão se a sociedade - as pessoas, em específico - não poderá ser mais liberal que o próprio governo que, supostamente, a representa. E de outra conferência fica a conclusão: "Liberal peacebuilding is not liberal enough".
AGA, o fogão
E estamos prestes a celebrar o Aga cá de casa. É sempre ligado no dia 10 de Outubro, este ano arranca com uns dias de atraso. Mas já está pronto. Até já tenho o 'Aga book' em cima da minha cómoda, por empréstimo, para aprender a cozinhar nele. A partir de hoje parece que teremos melhores sopas, mais calor e roupa seca mais depressa. O senhor que o veio arranjar, depois de ter pedido outro café porque o primeiro tinha um 'fishy taste', perguntou-me se havia cobras em Portugal. Como achei estranha a pergunta, respondi de duas formas: disse-lhe que havia cobras, mas que não as comíamos. Ele olhou para mim, com uns enormes olhos azuis, cerradíssimo sotaque escocês, vestindo um fato-macaco (homenagem aos bons e antigos canalizadores/electricistas, embora estes por cá sejam designados de 'engineers') . "Que tipos de cobras têm vocês em Portugal?". Poderia ter respondido indirectamente, voltando a clarificá-lo sobre a minha área de estudo estar significativamente distante da biologia, que muito admiro. Mas decidi dizer-lhe que temos variadíssimos tipos de cobras, em diferentes zonas do país. Lamento ter inventado a resposta, mas não me pareceu que a conversa estivesse a levar o rumo suficientemente sério. "No campo há cobras venenosas?". Não aguentei e disse que sim. "Em zonas remotas", acrescentei.
Outro pormenor que tento desvendar de dia para a dia: a loucura dos corvos nesta cidade. Com incríveis guinchos, apoderam-se de qualquer resto de comida que haja no chão, ou no meio das gigantes pedras que compõem a estrada. Nunca lhes vejo os olhos e já percebi que se juntam a outros passarões junto da praia em cima de umas rochas e, sem tirarem as patas das rochas, abrem as duas asas e refrescam-se ao vento. Depois imagino que regressem ao centro da cidade.
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AGA (versão da Wikipedia):
The AGA cooker is a stored-heat stove and cooker invented in 1929 by the Nobel-Prize-winning Swedish physicist Gustaf Dalén (1869–1937), who was employed first as the chief engineer of the Swedish AGA company. The cookers are today manufactured by the Aga Rangemaster Group. Aga (pronounced /ˈɑːɡə/) is an abbreviation of the company name, Aktiebolaget Gasaccumulator. In 1912 Gustaf Dalen lost his sight in an explosion while developing his earlier invention. Forced to stay at home, Dalen discovered that his wife was exhausted by cooking. Although blind, he set out to develop a new stove that was capable of a range of culinary techniques and easy to use. Adopting the principle of heat storage, he combined a heat source, two large hotplates and two ovens into one unit: the AGA Cooker. The cooker was introduced to England and its popularity in certain parts of English society (owners of medium to large country houses) led to the coining of the term "AGA Saga" in the 1990s, referring to a genre of fiction set amongst stereotyical upper-middle class society. Aga cookers can also make a contribution to space heating, although it is not true that they can heat an entire house.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
domingo, 10 de outubro de 2010
Já me tinha cruzado com ele na rua, percebi que tinha nome de gente. Com dois centrímetros de pata, entrou cá em casa e fez uma ronda para conhecer o sítio. A dona, uma impecável senhora de gabardine vermelha, trazia a sua bengala-muleta, com a qual lhe indicava por onde não devia andar. Umas vezes apanhava suavemente com ela na barriga, outras vezes conseguia acertar-lhe numa das minúsculas patas. Chama-se Brian e tem dez anos.
E como ao sábado os alfarrabistas estão abertos, dispondo os livros em mesas no meio da estrada quando o tempo o permite, lá me lancei na deliciosa procura de livros. Tudo pode ser muito caro cá, mas os livros em múltipla mão são muito baratos. Concedo-me a liberdade de gastar algumas libras. E, desta vez, trouxe para casa uma edição do War and Peace, de Leo Tolstoy, os três volumes num livro, pequeno, impresso em 'India Paper'. Tem uma pequena dedicatória na capa, assinada em 18 de Março de 1944. "Shirley from Barbara". Na aba da sobrecapa de papel verde, está um comentário de Maurice Baring - an English man of letters, que escreveu sobre a guerra entre o Império Russo e o Império Japonês, na Manchúria em 1904-5, para o Morning Post. Sobre a obra de Tolstoy, disse: "For the first time in an historical novel, instead of saying 'this is very likely true', or 'what a wonderful work of artistic construction', we feel that we were ourselves there; that we knew those people; that they are a part of our very own past".
sábado, 9 de outubro de 2010
O inconfundível som
Numa espécie de ginásio da escola estavam alinhados mais de quinze miúdos, uns com gaitas-de-foles, outros com tambores. Estavam todos de costas quando entrei, com um senhor enorme, de olhos encovados, mas de conversa simpática, sentado numa cadeira bem lá no fundo, à frente de todos. Rapidamente começaram a tocar, com os movimentos definidos e acertados. E aí sim, torna-se bem claro que é impossível abstrairmo-nos daquele som: entranha-se e arranca-nos do nosso confortável e realista lugar.
Enquanto tocavam, marcharam, deram a volta e caminharam lentamente na minha direcção. À frente, vinham miúdos de nove e dez anos, baixinhos, louros, com camisas azuis claras fora das calças azuis escuras. Enchiam as pequenas bochechas e esvaziavam-nas rapidamente, enquanto marchavam e faziam as gaitas-de-foles lançar tremendos sons. Repetiram a música várias vezes, sob indicações do senhor de olhos encovados que batia um dos pés enquanto eles tocavam. No meio da banda, havia gente mais velha a tocar. E, mesmo no centro, um altíssimo e distinto homem louro, aparentemente deslocado do restante grupo, tocava num enorme tambor que trazia pendurado com uma estrutura metálica ao peito.
Por instantes pararam para descansar. Os dois mais pequenos vieram pousar as gaitas-de-foles, mesmo ao meu lado, enquanto bebiam água e trocavam umas palavras. Cheios de sardas no nariz e de cabelo desorientado, comportavam-se como dois senhores, com a responsabilidade de tocarem um instrumento com tanta história, difícil de tocar, e exigente para pulmões tão pequenos. De regresso aos ensaios, juntaram-se mais dez miúdos de diferentes idades, dando início ao que seria um grupo de mais de trinta, dispostos em várias filas, a tocar o mesmo. Os braços, maiores ou mais pequenos, apertavam o fole, enquanto seguiam enchendo as bochechas.
Troquei umas rápidas palavras - difíceis de perceber - com o senhor que batia um dos pés ao som da música. Uma hora depois, preenchida pelo som que me acompanharia nos ouvidos até à manhã de hoje, vim-me embora. E descobri como é interessante que, ainda hoje, se aprenda a tocar gaita-de-foles em algumas escolas escocesas, mesmo que a sua origem esteja no início do século XV. E, desde cedo, estiveram ligadas ao exército (foto: 15ª divisão escocesa da 7th Seaforth Highlanders, na Operação Epsom, durante a II Guerra Mundial, a 26 de Junho de 1944).
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Mote: origem
Viena e Lisboa voltaram a ser mote de outra conversa. Desta vez, para ficarmos a saber como em dez semanas, há quarenta anos, um actual director de hotel fez uma longa viagem num mini, para conhecer a gastronomia europeia. Lisboa fez parte do roteiro. Conheceu a Maria de Lurdes Modesto [nome que pronunciou correctamente] e não se esqueceu do arroz doce.
Paul Wilkinson, fundador do departamento de Relações Internacionais de St Andrews, fez parte das nossas curtas e interessantes conversas. Até que fomos as últimas a sair da festa, depois de ter encontrado um senhor americano, de uma fundação de caridade, que viveu em São Paulo e falava português.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Porque está lá
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Borracha de bengala
Enquanto espero, reparo na moeda de 1p que está junto dos pés da senhora. Elaboro um curto plano para a apanhar. No momento seguinte, aproxima-se disfarçadamente um senhor, como se procurasse alguma coisa no chão, junto de cada uma das caixas. Moedas, talvez. Mas a ideia de o ver baixar-se não me pareceu possível.
Rapidamente, detectou a moeda que já fazia parte dos meus planos. E, nesse instante, com a pouca rapidez que a idade ainda lhe permitia, fez escorregar a borracha do fundo da sua bengala até zona envolvente da posição da moeda. Passando rente às pernas da senhora de botas de pêlo. À terceira tentativa, conseguiu arrastar a moeda quase até si, criando um momento em que se baixou lentamente para a apanhar. A senhora das botas, dando conta do que se passava, inclinou-se para o chão para ajudar. Ele justificou o seu esforço: 'todos os dias apanho uma moeda aqui'.
Eu percebi então que, por ter estado tão atenta ao que se passava, nem me baixei para lhe apanhar a moeda, ficando a observar duas pessoas com quase um século de vida lutando para se baixarem e conseguirem alcançar uma moeda.
E como quem terá começado a andar há mais de 80 anos, apoiado na sua melhor ajuda, o senhor estreitou-se entre as pessoas na fila do supermercado e saiu, sem compras, mas com o dever cumprido.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
À mesa
A história de um britânico que decidiu ir trabalhar nas obras em França. Ou a possibilidade de, um dia, ir conduzir camiões para a Austrália, porque pagam bem. Como o café é mau, como na Coreia do Norte as senhoras mais velhas apanham ervas nas bermas das estradas, ou como em Cabo Verde a venda de dez mangas faz o dia. Pelo meio, marcou lugar a história do acto isolado que passei em 2005, quando andava na faculdade e quis trabalhar com vista a uma curta e passageira autonomia. Trabalhei um dia, ganhei €40. Passei um acto isolado, fui às finanças e deixei lá €8. A ignorância fez-me achar que não tinha de declarar €40, portanto este ano paguei uma multa de €50. Conclusão: talvez tivesse sido melhor não ter trabalhado. Terminámos a conversa a pensar que fazemos parte de uma mesma geração de problemas que, mesmo assim, lá escolhe arriscar, imaginando que daqui a uns anos tudo poderá ser bem melhor.
Há Sagres em St Andrews
Gaita-de-foles
domingo, 3 de outubro de 2010
Para lá da altura humana
sábado, 2 de outubro de 2010
Liberalism and War
Free Whisky
Livro
Pela cidade
Para lá das três principais ruas, há uma outra, rente à costa. É onde está o Castelo de St Andrews - atracção turística - assim como alguns outros antigos edifícios. Como de manhã até estava sol - o tempo aqui muda de um segundo para o outro - antes das onze já estava na feira do livro, organizada pela Microfinance Society. Acontece que ainda nem tinha aberto, ou não haja em mim uma certa desorientação com as horas. Tive o tempo certo para percorrer as três ruas, conhecer a praia, passar pelo British Golf Museum, visitar o MUSA (Museum of the University St Andrews), passar por dois bouquinistes, antes de regressar à feira do livro.
Tive a sorte de encontrar um dos livros de uma das minhas cadeiras: Conflict and Development, por £11. Talvez venha a chegar à triste conclusão de que não foi uma pechincha, mas já fico contente em saber que o comprei por menos do que compraria numa livraria.
Como não podia deixar de ser, passei pelo supermercado. Já lá tinha ido deixar o cesto das compras com rodinhas que a dona da casa tinha trazido de manhã e que me pediu que fosse devolver. Fui comprar os cereais da senhora e aproveitei para alargar a minha própria oferta de refeições para os próximos dias. Chegada a casa, e visto ainda estar sol, saí pela primeira vez para conhecer o pequeno jardim.
Nuns nove metros quadrados, cabe um enorme conforto. Num cantinho uma pequena queda de água, posta a funcionar num interruptor dentro de casa. Senti-me de regresso aos tempos em que me encantava com as histórias e descrições da minha avó, sobre cada pormenor do jardim. Vários tipos de menta, rosmaninho (adoravelmente, Rosemary), oregãos e outras ervas, em pequenos tufos, espalhados pelos canteiros. Os muros do jardim estão como que forrados por trepadeiras e no topo de um dos muros, que terão uns dois metros de altura, está um galo de ferro com uma rosa-dos-ventos. Era dia para apanhar as maçãs. Com algum esforço, e algum receio, trepei até ao quinto degrau de um escadote, apoiada numa vassoura. Com os pés do escadote mal enterrados na terra - sempre molhada - previ que a queda pudesse ser terrível visto não haver nada, para além da vassoura, onde me pudesse apoiar. Nem um ramo à mão. Correu bem e lá estão as dez maçãs, algumas delas ainda com folhas, numa grande taça de metal com buracos, esperando que toda a água escorra.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Chegaram!
Enquanto almoçava, via da janela da cozinha a quantidade de maçãs ainda penduradas na árvore. Acabei por prometer à senhora que, no fim-de-semana, tratava disso (duas semanas a apanhar pêra sob um sol escaldante em Torres Vedras servem para muita coisa). É que a macieira é demasiadamente alta e há belíssimas maçãs vermelhas bem lá no cimo. "Delicious", segundo me garantiu. Ficou assim combinado que, quando não estiver a chover, subo o escadote e vou lá acima buscá-las. E até aplico algumas numa tarte, quem sabe.
E a verdade é que, nos últimos dois dias, tenho vindo a seguir o percurso da minha roupa quente desde Lisboa. Era suposto que chegasse hoje, mas desde quarta-feira que o percurso da minha roupa tinha encalhado em Coventry. Visitei o site dos CTT Expresso várias vezes, acompanhado a viagem dos dois caixotes, e continuavam parados. Mesmo assim, sempre que ouvia o carrinho do carteiro entalar-se nas pedras aqui mesmo na rua, lá levantava o rabo da cadeira e espreitava à janela. Nunca era para aqui.
Até que, enquanto comia uma laranja, tocaram à porta. Por momentos, pensei: é desta! Consegui ouvir: "two boxes for Riquol". Era eu! E eram as minhas caixas, finalmente desencalhadas de Coventry. Não me controlei e soltei um "my boxes!", levando a dona da casa a dar-me um abraço no meio da sala, no que eu tentava que fosse um rápido caminho até à porta, onde até então ainda estava o carteiro encharcado. Enquanto respondia ao abraço, tive tempo para pousar os pés numa enorme tampa de plástico, deixada no chão, desejando apenas chegar à porta.
Agora, sim, vou abri-las.
E sentir um pedacinho da minha casa aqui.