sábado, 15 de janeiro de 2011

mistérios de biblioteca


E num instante passa-se uma semana, sem neve, a estudar para exames. Entre a escrivaninha à janela, em casa, e a mesa da sobre-aquecida biblioteca, misturo-me com as folhas e os livros. Lutamos todos para conseguir o livro que resume as aulas todas. Cruzamo-nos na biblioteca, comentamos o avanço do estudo. Uns têm horários rigidamente estipulados, acordam à mesma hora, chegam à biblioteca à mesma hora para conseguirem a mesma mesa. Até porque conseguir uma mesa na biblioteca, e sobretudo uma mesa perto de uma tomada, é um prodígio. Outros guiam-se pelo avanço das leituras, pela sensação de cansaço, pelo ambiente da biblioteca. Param para fumar um cigarro, para beber um café, para ir ter com alguém, para ir ao supermercado, para ir tirar um chocolate da máquina (e a máquina deixar cair dois). Uns lêem os livros entre as estantes, sentados no chão, sobre as carpetes que se diz terem sido utilizadas pelos bisavós dos actuais estudantes, dado o seu aspecto. Os dois pares de meias por cima das calças e as botas até ao joelho revelam-se um inferno para toda a gente quando a temperatura na biblioteca corresponde a um país tropical. A solução para quem passa horas no mesmo sítio, visto que a biblioteca está aberta das oito da manhã à meia-noite, é descalçar as botas. Então anda meia biblioteca descalça, incluindo o staff que passa dias a passear carrinhos de livros por entre as centenas de corredores, com as suas luvas brancas, arrumando os livros nas estantes. Cada um leva a sua merenda, os seus sumos e garrafas de água e a biblioteca transforma-se rapidamente na casa de muita gente. Por entre os muitos estudantes do mundo inteiro, encontram-se os famosos investigadores para quem a biblioteca é primeira casa. Desgrenhados, meios carecas mas, por vezes, com um pequeno elástico a apanhar os cabelos compridos que sobreviveram às tormentas. Meias vermelhas ou outras que apareçam primeiro, calças desorientadas pelo calcanhar ou a arrastar, usadas vezes sem conta, sapatos grandes. E depois há presenças assíduas, mas misteriosas. Como o senhor de idade avançada que a partir das nove da noite se passeia silenciosamente entre as estantes, sem sapatos, com a mesma camisola de malha verde com buracos, barba descontrolada e as duas mãos atrás das costas. Sem tocar nos livros, de cabeça baixa, parando quando chega ao fim das estantes. Hei-de conseguir saber que história esconde.

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