Um pilar separava-me do Freddy Cole, enquanto ele tocava piano com um anel no mindinho da mão direita. Atrás dele, o baterista era o homem negro com o cabelo mais branco que alguma vez tinha visto. Ia poupando o meu copo de vinho francês, que me custou quase seis libras, enquanto ouvia um concerto a meia luz no lendário Ronnie Scott's, em Londres. Uma noite que terminava um dia de viagem de comboio. Mas um dia de uma boa viagem, com sol e gelo, logo no começo da manhã. Todas as paisagens brilharam durante as cinco horas de Leuchars até ao centro de Londres. E ali estava agora, dezoito dias depois do início do novo ano e apenas pouco mais de vinte e quatro horas após o meu segundo exame em St Andrews.
As paredes do bar estavam forradas com vários quadros com fotografias dos muitos músicos que por ali terão passado nos mais de cinquenta anos de concertos. E, por ali, conseguia ouvir falar inglês com sotaque português, apercebendo-me lentamente de que teria de haver um português entre as cerca de 50 ou 60 pessoas no bar. Entretanto, mantinha fielmente o meu lugar, sentada num banco alto junto ao balcão do bar, o único vazio quando eu cheguei. Estava tudo cheio e o bilhete que eu tinha pago só dava para aqueles bancos. Durante a primeira parte do concerto, por simpatia, o senhor sentado no banco ao meu lado ofereceu-me o lugar dele. 'Just for five or ten minutes. Otherwise, you won't see him'. Agradeci. Durante uma música, vi-o a tocar. Chegado o fim dessa música, o senhor - que viria depois a saber ser sueco de uma cidade perto de Gotemburgo - disse-me 'ok, just one more song'. Aproveitei a simpatia antes de regressar ao meu banco mal posicionado.
Depois do intervalo, consegui um lugar melhor. Aliás, melhor do que se tivesse pago o bilhete mais caro. Continuei a bebericar o meu copo de Merlot, desejando que cada golinho tivesse uma duração mais prolongada. Inesperadamente confirmou-se: há um português em cada canto do mundo. As coincidências fizeram-no sentar-se no banco alto ao lado do meu e o acesso livre que tinha ao bar fez-me poder beber um segundo copo de vinho.
O dia seguinte era de trabalho e já passava da meia-noite quando saí. Troquei três palavras com o Freddy Cole, quando me dirigia à porta e o vi sentado no mesmo banco alto de onde eu o tentei ver sem sucesso. Simpaticamente deixou-me um enorme sorriso de despedida.
Saí para a Frith Street. E fui apanhar um táxi ao Leicester Square. Lancei-me para a estrada para finalmente entrar num táxi que me levaria a Paddington por 13 libras. E antes que o dia parecesse ter acabado, o taxista contou-me a viagem que fez a Goa. Falou-me de como nos habituamos a ter mais do que precisamos, como nos queixamos do tempo sem razão verdadeira para tal (nem ele imaginava como eu reconheci naquilo uma crítica a mim mesma). Falou-me do que é querer muito e querer sempre mais. E já depois de termos chegado ao meu destino, à porta do hotel, continuei bem encostada no banco do táxi enquanto ele me falava em como é preciso que saiamos do nosso mundo para percebermos o que realmente é o mundo.
1 comentário:
No seguimento de "enquanto ele me falava em como é preciso que saiamos do nosso mundo para percebermos o que realmente é o mundo." não resisto a deixar aqui uma pequena actividade que me tem acompanhado e guiado ao longo dos últimos anos.
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As regras são simples:
1. Tenta tocar em todos os Xs sem levantares o bico do lápis.
2. Só podes utilizar quatro traços (conta como traço sempre que mudares de direcção)
Boa continuação de aventura :)
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