quarta-feira, 13 de abril de 2011

Volta ao mundo numa torrada

Punha manteiga numa torrada quando me lembrei da sala de pequenos-almoços de um dos hotéis nos arredores de Londres, onde fiquei em janeiro. Lembrei-me das duas raparigas russas que tratavam da cozinha, minúscula, num cantinho. Lembrei-me dos indianos, empresários simples, com quem me cruzo nas salas de pequenos-almoços. Não são dos empresários que ficam em hotéis de cinco estrelas no centro da cidade, que andam de táxi, de fato e gravata de marca, pasta preta e telemóvel caro. São os empresários que preparam o trabalho do dia seguinte num quarto de duas estrelas, com água a pingar na banheira, com janelas de vidros baços e madeira descascada, cortinas pesadas e pouco limpas. Acordam cedo no dia do seu negócio, levantam-se, lavam-se, penteiam o cabelo e vestem a melhor camisa, por baixo do pullover mais novo. Fazem tempo para a hora do pequeno-almoço e chegam com a chave na mão. À falta de lugar sentam-se ao lado da rapariga que tem ar de ter acabado de acordar, que come um croissant seco, sem saber que pode pedir uma torrada. Bebem chá, comem um ovo cozido sob o olhar assustado da rapariga da frente, comem uma maçã, pedem uma torrada. E seguem de metro, com uma pasta de tecido, presa ao ombro com uma alça. Na cabeça acredito que levem mais do que o empresário de fato de marca, que comeu papaia e manga ao pequeno-almoço, bebeu café da Etiópia, leu os jornais internacionais que nas bancas custam mais de três libras cada, foi ao jacuzzi de manhã ou fez Tai Chi na sala de vapores de cristais japoneses, antes de ter feito sinal com o dedo para que lhe chamassem um táxi e tivesse pegado na sua pasta cara e tivesse entrado no táxi, sem ter sequer de largar a pasta e o iphone pois alguém abriu a porta por ele.
Regresso à manteiga na torrada e lembro-me das fatias de pão seco, entre fatias de pão fresco, que comi todas as manhãs barradas com doce, no hotel em Sarajevo. Havia ovos cozidos que me despertam sempre o mesmo susto onde quer que seja. Café bósnio, bom, estranha limonada, doce até fazer comichão no céu da boca. Comi fatias de pão metade barradas com manteiga, outra metade com doce. O mesmo doce que me fez lembrar o doce dos meus tempos de férias, em Penafirme.  E assim percebi que, mais tempo tivesse, daria a volta ao mundo, viajando entre as tantas outras vezes que pus manteiga numa torrada.

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