Foi no instante em que me espetei contra uma corrente que percebi: estava um bocadinho desorientada. Cada vez mais as viagens de avião, aeroportos, comboios, metros, linhas, horários, táxis e taxímetros a correr ao minuto, tudo envolvido por libras a correrem ao segundo, me deixam perdida. Se tudo corre bem, olho para trás e penso que afinal foi fácil. E que tudo vai parecendo cada vez mais fácill: há cinco anos alguma vez te meterias nisto? Mas depois há sempre as contrariedades. O cartão escocês que não funciona porque provavelmente voltei a esquecer-me do código, o cansaço que se acumula e que me leva a fazer tudo sem conseguir pensar. E ainda a permanente sensação de não saber se sou turista, visitante, emigrante, parte da cidade ou, simplesmente, se consoante a forma como me comporto sou uma mistura de tudo. Se me apetece ser parte da cidade, não tiro fotografias. Se me apetece ser turista, tiro a máquina. Olho para o mapa dentro do metro se não me importar em estar ali como visitante. Ou então decoro as estações e as linhas, agindo como se aquele fosse o meu caminho de todos os dias.
Era quase uma da manhã, arrastava a mala desde que tinha chegado a Gatwick às dez da noite. O avião até tinha chegado mais cedo, o que me fez pensar que conseguiria apanhar um comboio e o metro a tempo de poder evitar o balúrdio de um táxi. Apanhei o comboio, mas desta vez sentia-me perdida. À minha frente estavam três franceses: um casal e uma miúda. Talvez esteja a estudar cá e os pais a tenham vindo visitar. Mas sentia-me estranha, ao contrário das emoções de há duas semanas atrás, quando facilmente me senti parte da cidade, da língua, das correrias nos corredores do metro, das descidas em velocidade pelo lado esquerdo das escadas rolantes. Só que desta vez a sensação era outra, sem saber sequer se queria estar ali. Corri para apanhar o metro e, uma estação depois, percebi que a linha de que eu precisava estava em obras. Tive de apanhar um táxi.
Pela primeira vez, o google maps atraiçoou-me. Percorri as ruas sem encontrar o hotel, passando pelo único homem na rua, à porta de outro hotel. Tive a sensação de que teria de lhe pedir ajuda, mas segui caminho. Percebendo que não ia dar, voltei atrás e senti que ele já contava que aquilo fosse acontecer. Talvez por termos os dois sotaques enferrujados, ou por de alguma forma partilharmos a sensação de não sabermos bem o que somos numa cidade onde de repente nos sentimos estranhos, ele ajudou-me. Era italiano, pegou no papel onde eu tinha escrito a morada do hotel. Demorou imenso tempo, explicando-me que computador era lento. Fui desvendando aquele outro hotel: quarto individual por 130 libras. Ele estava sozinho na recepção, um espaço de chão brilhante, jarras grandes de flores. Quando tentou imprimir as indicações, a impressora não tinha papel. 'Londres é isto', disse-me. E nesse momento partilhámos a frustração de quem está fora de casa, num dia menos bom que os restantes. Acabou por me dar um mapa da cidade, onde fez duas cruzes. Uma para 'estamos aqui', outra para 'o hotel é aqui'. Antes que eu saísse, desejou-me boa sorte e disse que tivesse cuidado.
Percorri o curto percurso que seria até ao hotel. E não havia nada nessa cruz. Nem hotel, nem ninguém. Comecei a avançar apenas em direcção a uma luz, para poder telefonar, até algo me ter impedido de movimentar mais. Tinha ido contra uma corrente, colocada numa rua, para impedir a passagem de carros. Consegui rir-me sozinha na escuridão. Foi quando levantei a cabeça e percebi que tinha encontrado o hotel.
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