Abri a caixa do correio com a chave mais pequena de entre todas as outras. Lá dentro havia um envelope maior que os outros, escrito à mão com uma letra muito certa, a tinta azul. Não tinha remetente à vista, pelo menos não onde eu o esperava. Vi apenas um carimbo do correio: Edimburgo. Mas uma das coisas que aprendi ao longo dos últimos meses, de outras vezes que abri a caixa do correio, é que a posição do remetente não tem de ser exatamente aquela que eu espero que seja. Assim, com a lentidão de querer prolongar a curiosidade, virei o envelope. Lá estava, na parte de trás, em letras mais pequenas e igualmente manuscritas, perfeitamente acertadas: Bill, bouquiniste. Tinha-lhe escrito há umas semanas, partilhando as recordações de uma manhã de sábado em que, de longe, revivi o que habitualmente eram as minhas manhãs de sábado escocesas, revolvendo os novos livros que ele arrumava em filas, de lombadas para cima, uns colados aos outros, nas mesas colocadas no meio da estrada. Chegava a resposta. Dentro do envelope, num postal, escrito com uma letra igualmente miudinha, ele descrevia os últimos meses: mau tempo, menos vendas na rua, ano difícil, discussões sobre a independência da Escócia e o facto de, apesar de tudo, Portugal continuar a aparecer raramente na televisão. O postal onde escrevia era idêntico ao que eu tinha comprado há quase um ano, por ser uma pintura recente de Saint Andrews que retratava precisamente as mesas expostas na rua com os livros que ele, todos os sábados, escolhia. Só que dentro do envelope havia ainda outro postal: um dos antigos com uma fotografia da Market Street. Na carta que lhe tinha escrito, relembrava o postal que ele me tinha dado na minha última passagem pela loja: um postal, dessa mesma rua, que ainda hoje mantenho à vista. 'Mais um para a tua colecção', escreveu a lápis. Foi também com a minha senhoria que aprendi a procurar o remetente nas costas do envelope. Até há pouco tempo ela ainda escrevia sobre 'a coincidência de só ter estudantes de países em crise', já que a deste ano é grega, tema esse que preferi não aprofundar. Outros que escreveram o remetente atrás contaram as sagas à procura de emprego, as passagens por fábricas de automóveis, por traduções voluntárias ou estágios não-remunerados em Bruxelas, Genebra, Estrasburgo ou Londres. Também recebi as boas notícias de quem foi para a Índia criar uma empresa, de quem regressou à Tailândia, de quem entrou em Cambridge, de quem foi para o Uganda. Em Dezembro, trocámos postais de Natal; em Março, relembrámos o tempo passado na Bósnia e Herzegovina. 11 meses depois, sei que um mesmo número de dias pode passar com velocidades diferentes: estes útlimos voaram mais rápido e de forma mais leve que os anteriores. E agora que já passaram mais dias cá do que aqueles que lá vivi, um postal pareceu-me, afinal, justificar mais uma linha.